segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

NOITE DE NATAL


Quem era o Filipe “Ranhoso” ? E porque lhe chamavam “Ranhoso”?

Julgo que por esta razão: - Ouvia dizer que era empregado fabril, mas nunca soube onde trabalhava, vendendo nas horas vagas relógios, canivetes, isqueiros e bugigangas das mais variadas, parecendo assim, como uma loja dos trezentos, mas ambulante. Já entenderam que o “Ranhoso” não possuía local fixo para vender os artigos, nem ninguém sabia também onde os ia adquirir. Julgo que se o alcunharam de “Ranhoso”, devia ser pelo facto de só vender umas ranhozices, mas que faziam as delicias dos compradores e dos que assistiam ao negócio. Além do mais, a fala do “Ranhoso” era um tanto ou quanto trapalhona e muitas vezes difícil de perceber. Eu, sinceramente, sentia muitas dificuldades em o entender e às vezes perguntava ao vizinho do lado, como se ele fosse o meu tradutor. Tinha um jeito característico para explicar o funcionamento das coisas que vendia.
Na véspera do dia 25, as famílias fazem os seus rituais e eu para não fugir à regra também seguia a tradição.
Habitualmente a noite de Natal é friorenta, cai chuva de molha tolos, está nevoeiro. Os pais aproveitam para confirmar aos seus rebentos que o tempo está a adivinhar a chegada do Pai Natal e consequentemente amanhã haverá prenda no sapatinho. Naquela noite, enquanto minha mãe fazia filhós e outras doçarias da época, e por esses terras do nosso País se assistia à missa do Galo, eu e mais meia dúzia de amigos fomos fazer uma visita à colectividade local, praticamente vazia, estando os dois directores de serviços, ansiosos pela saída dos retardatários a fim de fechar o “estaminé”, pois de certo também quereriam ir para o seu seio familiar. A faltar aí 15 ou 20 minutos para a meia noite, aparece o “Ranhoso”, com o que lhe restava das entregas feitas naquele dia e há muito encomendadas, para fazerem felizes, na manhã do outro dia, os premiados pela visita do Pai Natal, encaminhando-se apressadamente para os sanitários. Assim que o vimos chegar, preparamo-nos para fazer um pouco de sala e mirar o que ele desta vez trazia. As sanitas eram daquelas com um buraco e o utilizador tem de baixa-se de cócaras. Neste entretanto, a luz eléctrica apagou-se e o “Ranhoso” desata lá de dentro a protestar sem possibilidade de lhe podermos acudir, visto ser um corte geral na povoação. Ele não se calava, e todos que não seriam mais de 9 ou 10, fomos até aos sanitários… Um dos meus amigos tira do bolso um acendedor de cigarros, acende-o e vimos que a coisa estava torta, lá para os lados do “Ranhoso”. Encontra-se com o cu à mostra, com uma mão a segurar as calças que estavam pelo meio das pernas, protestava e apontava para o buraco onde tinha acabado de fazer a necessidade fisiológica.
Assim que se apanhou com luz, o “Ranhoso” ajoelha-se tal como fazem os muçulmanos quando estão a rezar virados para Meca, mete o braço pelo buraco abaixo, perante a perplexidade dos presentes, enquanto o que tinha o acendedor na mão, queimava os dedos e apagava-o. O “Ranhoso” levanta-se, e, com a voz ainda mais atabalhoada, pede por favor para o acenderem novamente, tendo Deus, feito-lhe a vontade, pois reacendeu-se novamente a luz eléctrica. E então, para nossa plena satisfação, a cena repete-se com o “Ranhoso” a meter novamente a mão, até lá bem abaixo, para pegar…(?) era uma incógnita. Finalmente, os dedos lá pegaram o procurado e o homem feliz e orgulhoso, mostra uma pistola da marca Star, 6,35m/m, sua propriedade que tinha dentro de uma bolsa de cabedal pendurada no cinto das calças, e que, ao desapertar-se e faltando-lhe a luz deixou cair no buraco, fazendo-lhe a “larada” em cima.
Com todos os assistentes a rir, olho para a pistola que mais parecia uma pistola de chocolate, fazendo-me imediatamente lembrar aquelas que, quando em miúdo brincava no dia de Natal, depois de a retirar do sapatinho e a comia aos bocados, retirando-lhe a prata que a cobria, começando sempre pelo cano. O “Ranhoso” com a dignidade possível, mas ainda com as calças na mesma posição, lava a pistola debaixo da torneira do lavatório e como o cano da dita estava entupido com matéria estranho ao seu funcionamento, a água faz ricochete, salpicando-lhe a cara e os óculos, ficando ambas a necessitar de uma desinfecção urgente.
O Pai Natal atarefado a fazer a distribuição dos “presentes” pelo mundo cristão, mas talvez aborrecido com a concorrência desleal que o “Ranhoso” lhe fazia, não quis perder a oportunidade de lhe pregar esta partida.
Acredito que nem se terá apercebido de que o Homem estava em apuros e que não seria a altura mais indicada para lhe dar a prenda, até porque ali não existia chaminé, nem o sapato engraxado para a receber.
Os Directores de serviço naquela noite, o “Ranhoso” e mais os associados presentes a esta cena de Noite de Natal e simultaneamente Carnaval da Vida, foram durante muitos meses assunto de conversa na minha Aldeia.

Escrito por Zé do Cão

Este texto foi escrito num âmbito de camaradagem e não se encontrará a "concurso" na votação simbólica. No entanto, ao comentá-lo estará mesmo assim a ajudar a Isabela.

13 comentários:

  1. nossa,que situação essa do Ranhoso,heim? Um beijo e tudo de bom nessa última semana do ano!chica

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  2. hahahahhahah adorei , adorei, adorei.
    Que fantástica história, que jeito bestial de escrever. Cinco estrelas. Parabéns

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  3. Gira a história do Ranhoso!
    Imagino o divertimento!
    Bom ano de 2010!
    Um abraço
    Alcinda

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  4. Que aventura hilariante a deste Ranhoso na noite de Natal.
    Quem lhe mandou fazer concorrência ao Pai Natal?
    Bom Ano de 2010
    Beijinhos
    Lourdes

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  5. Olá!
    Ai o amigo Zé do Cão é danado :) Onde foi ele buscar o Ranhoso...ihihi...rica aventura :)

    Bom Ano Novo a todos!!!

    Jocas festivas
    Lena

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  6. ahahahahahahahah ahahahahahahahahahahahah
    Uma história fantástica! Digna do melhor dramaturgo! Dava uma bela peça de teatro com o Zezito como narrador e todo o pessoal da Aldeia como assistência .... apague-se a luz! Suba o pano ... a cena vai começar ahahahah

    Boas Festas

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  7. Caramba!! Parece uma cena extraída dum "filme de terror" em que o bandido é perseguido até à retrete e se atrapalha todo e nem lhe dão tempo para puxar da "fusca" ...

    Se não conhecesse bem a inigualável arte do Zé do Cão para contar estas histórias e se não soubesse que se baseia sempre em contos verídicos, diria que havia aqui dedinho e a fértil imaginação da Cusca Endiabrada eheheh

    Feliz Quadra Natalícia a todos

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  8. Chamaram-me? Eu juro que nada tenho a ver com a cena macabra! Puxa! Eu que até passei a quadra natalícia tão bem comportada ... o tempo a "brincar com bolinhas" ihihihih

    Tirando o facto de gostar buééé do autor que dá pelo nome de Zé do canito, e de quase fazer uma pocinha no chão por cada história que leio dele, quanto ao resto, estou inocente!!!

    E mais, depois disto e enquanto me lembrar, não vou consegir comer chocolate com formas de objectos bélicos, coisa que até hoje me dava um prazerm enorme. Viram o que o meu amigo arranjou?

    Enquanto lia, assaltou-me uma dúvida que, como Cusca que sou, gostaria que o autor esclarecesse:

    Este "Ranhoso" tinha algum grau de parentesco com a "Rosa miúpe", a tal da cena de "Ranho ou massa"?

    Isto é que vai aqui uma açorda eheheheh

    dentadinhas ... opps! é melhor fechar a boca, não vá dar uma trinca na "fusca do ranhoso" ihihihih

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  9. Vim aqui dar uma olhadela e aproveito para desejar a todos, mesmo todos os concorrentes e comentaristas deste blogue, bem como a toda a gente que colabora com a sua proprietária, os desejos ardentes de um Fim de Ano feliz, e a esperança de que o ANO NOVO, seja mesmo FELIZ, folgazão e os 365 dias brilhantes como nunca tivemos. O Natal adivinho... foi para todos, familiar, com lareira acesa, com abraços, beijos, risadas, sapatos, botins, sapatilhas e tamancos, cheios, cheios de brinquedos, chocolates, roupinha, que dá sempre jeito e o Papá Noel bem sabe, amor a rôdos.


    Beijinhos e abraços

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  10. Ó Zé,
    tu és uma pessoa verdadeiramente especial! Sem mesmo te conhecer sou capaz de te imaginar a escrever esta história, dentro de ti permanece a criança, aquele puto traquina, que deves de ter sido. Fartei-me de rir com esta história, e o bem que me fez, era mesmo isto que eu estava a precisar neste dia tão molhado, triste, cinzento e modorrento.

    Tenho uma vaga ideia dessas pistolas de chocolate, ou talvez sejam outras, que se costumavam vender nas barracas de brinquedos das festas de natal do lugar onde então vivia. Eram pistolas de brinquedo, que pareciam quase verdadeiras, com as quais rebentávamos umas fitas cheias de bocadinhos de pólvora, eram as espoletas. Ainda davam um bom estoiro e até era possível observar um pequeno rastro de fumo a sair da pistola. Lembras-te disso Zé? Mas porque razão este brinquedo se costumava vender logo no Natal? Mas pelos vistos a pistola do Ranhoso, depois de sair de tal buraco ficou bem carregada, munições daquelas ainda são piores do que pólvora.

    Zé, desejo do coração que continues assim com essa tão saudável irreverência e que tenhas um ano em cheio, pleno de tudo quanto mais amas!
    Um beijinho desta amiga,
    Milu.

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  11. Conto realista, interessante, contado com muitissima naturalidade. Se todos os contos tivessem esta simplicidade, a sua leitura seria muito mais agradável.
    UM BOM ANO, CHEIO DE ESPERANÇA E SORRISOS BONITOS.
    Maria Letra

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  12. Alto, lá!
    Será que ainda ninguém reparou no grau de insegurança que vai aqui nesta Aldeia? Quem põe termo a isto?
    O Etelvino, ainda vá que não vá, vem perfumado e até já lhe confiscaram a caçadeira, agora este "Ranhoso" que, ainda por cima, é "Mal cheiroso" e que da caçadeira só lhe tiraram a cedilha, é demais! Não sei como conseguiram ler o texto, sem problemas. Eu, tive que pôr uma mola no nariz.
    Agora percebo porque a "Regina" deixou de fabricar pistolas e passou a fabricar só chapelinhos de chuva, cigarrinhos, pais Natal e coelhinhos que até vão ao circo!
    Um Abraço e tudo de Bom no Novo Ano (o de 2010)!

    João Celorico

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  13. Bom texto... Parabéns.
    Um Abraço e tudo de Bom no Novo Ano (o de 2010)!
    Eugenia Cruz

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