domingo, 20 de dezembro de 2009

O NATAL NA MINHA TERRA - SALVATERRA DO EXTREMO



Vou hoje fazer mais uma viagem ao passado e contar-vos como se vivia toda a época natalícia cá na terra, há uns anos atrás. Tenho algumas memórias que me marcaram, e outras são de minha mãe, com quem falei sobre isso noutro dia. Meu filho que ia ouvindo a conversa, nem imaginava que era assim. Nem sequer acreditava que não se recebiam brinquedos como prenda, que não havia computadores, jogos ou outras coisas que as crianças de agora têm, e que afinal, nem é isso que mais precisam. Pois é, não havia essas prendas, nem o consumismo, mas havia algo que não há hoje em dia: o verdadeiro espírito do Natal… E esse não se compra, não se vende, não se fabrica… Esse nasce em cada um de nós; nasce em conjunto numa pequena aldeia onde todos são como uma grande família… E ainda mais unidos, sempre que chegava esta altura.
Tudo começava no dia 8 de Dezembro, quando à volta da estrada todos aguardavam ansiosamente pelo madeiro, que vinha em carroças puxadas por burros (quando ainda os havia em grande quantidade; sim, porque até os burros hoje estão em extinção). Os grandes troncos de madeira vinham cobertos por lindas colchas, e atrás da carroça, vinham rapazes e raparigas, a cantar canções de Natal. E todos juntos, fazia-se depois atrás da carroça, o percurso até ao adro da igreja, onde os troncos eram deixados no chão. Ali ficariam até ao dia 24, altura em que lhes pegavam fogo, fazendo assim uma enorme fogueira, que nunca se apagava, e que estaria toda a noite de 24 e todo o dia de 25 a queimar, para aquecer o menino Jesus. É o Madeiro do Menino Jesus: uma tradição milenar que se mantém ainda viva nesta aldeia, bem como em muitas outras do interior do país, e que espero nunca morra. Há lembranças que nunca se apagam de nossa memória, e esta que tenho é uma delas: o madeiro a arder em altas labaredas, e as pessoas à sua volta, também elas a aquecerem-se no frio gelado da noite.


Na noite de 24, em trabalho conjunto e alegre de família, faziam-se as filhoses que eram tendidas no joelho. À roda da lareira, com um pano sobre os joelhos, esticavam-se bocados de massa, dando uma forma única a estes doces, que eram depois fritos em azeite e polvilhados de açúcar e canela, ou sem nenhum destes temperos, para serem guardados em arcas para durarem mais tempo. Tudo tinha de estar pronto até à meia-noite, pois não se podia faltar à missa do galo. Depois da missa iam todos para casa e deitavam-se. De manhã cedo, minha mãe e os irmãos, todos crianças nessa altura, tentavam acordar o mais cedo possível, e ficavam todos contentes quando minha avó lhes dava 1 caixa pequenina de bombons. Não havia cá brinquedos, livros ou outras coisas: apenas uma simples caixa de bombons. E esta já fazia a alegria de todos. Não havia dinheiro para mais… Podiam não ter o que os meninos ricos tinham nesse dia, mas tinham tudo aquilo que seus pais lhes podiam oferecer. E principalmente, um lar onde todos eram unidos, onde reinava não só o respeito para com seus pais, mas também a devoção, o amor e o carinho uns pelos outros. Eles, sem se darem conta, é que possuíam o verdadeiro espírito do Natal, e hoje, tenho certeza: minha mãe e meus tios tudo dariam para voltar a ser crianças, e poderem ter como presente, apenas uma simples caixinha de bombons (...).

Escrito por Cristina R., do blog Uma Aldeia perdida por entre montes
A versão completa deste texto encontra-se no respectivo blog.
Se gostou deste texto, vote nele simbolicamente de 28 a 31 de Dezembro.

11 comentários:

  1. Olá Cristina!
    Gostei muito do seu texto,pois fez-me viajar por tempos que nao conhecia.Também senti a união familiar e a felicidade de se ter irmãos e irmãs.A foto deu-me vontade de estender o braço e agarrar nessas iguarias para provar :)

    Jocas Natalícias
    Lena

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  2. Olá Cristina!

    Nada como ver um bom fumeiro para parar e ler.
    Gostei muito do teu texto, tem as tradições do antigamente e cheira a campo...ummmmmmmmmm que bom!

    Manter as tradições vivas é importantíssimo. O seu texto tem essa riqueza que se está a perder.
    Parabéns.
    Boa sorte.

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  3. Ora aí está um texto, que mesmo eu sem ter vivido o Natal assim, creio que faz falta as familias se juntarem e contarem essas histórias de vida aos seus filhos , sobrinhos ou netos. Muito bem.
    Faz parte de muitas realidades de vida de muitas pessoas neste País.
    Obrigada por ter trazido o seu testemunho.
    Beijinho

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  4. Uau! Uma imagem destas é de nos deixar com água na boca!!! Onde fica mesmo este fumeiro? e os pipos também estão bem recheados? ahahah

    Caramba! Há quantos anos não me sento sob um fumeiro assim. Hummm esses "buchos" (ou são palaios?) aí à esquerda parecem mesmo apetitosos ... e a massa das filhós já está a fintar? eheheh cheira mesmo a NATAl!!!

    Adorei o texto. Feliz Natal

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  5. Excelente síntese do Natal de muitos de nós...
    Ao meu tenho que retirar essa coisa maravilhosa que é o madeiro de Natal no largo da aldeia!
    No Alentejo também se escolhia um grande madeiro de Natal, mas na lareira em casa!
    De resto o mesmo, bombons ou figurinhas de chocolate: coelhinhos,pais natal, sininhos,etc... e muita animação e amor familiar.
    Boas festas solidárias!
    Um abraço
    Alcinda

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  6. O texto é bonito e evocativo do Natal de outros tempo. Mas a foto... é uma maldade mostrar esses belos enchidos! Fica-se com água na boca...
    Bom Natal

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  7. Cristina
    Que bonito deve ser o Natal na sua terra.
    Adorei a descrição e babei-me toda a olhar para o fumeiro...
    Beijinhos e os meus votos de um feliz Natal.

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  8. Olá, Cristina!
    Já conhecia o texto e parece-me ter tido oportunidade de lhe dizer o que sentia!
    Porém não acho bem a sua atitude de tentar corromper o júri e o pessoal da blogagem! Isto não se faz! Eu, só dei o cheirinho das filhós, mas a Cristina pôs o pessoal todo a salivar e com os olhos arregalados!!!!
    Valha-nos isso para que as pessoas vão falando de Salvaterra e vão conhecendo os seus usos e costumes. Por isso, já vale a pena!
    Tenho impressão de que entre todos os festejos de Natal, o "Madeiro" era o ponto culminante. Os meus pais e outras pessoas falavam dele sempre com muita alegria e saudade. Era um festejo que envolvia, primeiramente os jovens e depois toda a população. Hoje já é difícil arranjar pessoas, porque lenha deve haver, com fartura.

    Tenha um Santo Natal,

    João Celorico

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  9. Completando o meu comentário anterior.

    Com os votos de Santo e Feliz Natal, aqui lhe deixo um poema do tenente Manuel Dias Catana, um conterrâneo.

    O Madeiro

    Dezembro, vinte e quatro. O Madeiro arde
    no largo que defronta a velha Igreja,
    aceso nesse dia, ao fim da tarde,
    conforme a tradição manda que seja.

    Os moços cantam loas a Jesus
    em torno do Madeiro incendiado.
    Na Igreja, o Presépio é todo luz,
    onde está o Menino reclinado.

    Para a "Missa do Galo", as raparigas
    passam no largo que o braseiro aquece,
    enquanto os moços põem nas cantigas
    o fervor e a unção de ardente prece.

    Batendo no Madeiro, fazem brasas
    para aquecer Jesus, o Salvador.
    Há cheirinho a filhó em muitas casas;
    nos lares há Presépios, Paz e Amor.

    Reúnem-se as famílias, há presentes;
    há cânticos e risos de alegria.
    Recordam-se os amigos e os parentes
    que ganham longe o pão de cada dia.

    Repicam sinos. Há em toda a terra
    festa em louvor do Santo Nascimento.
    Que ela traga consigo o fim da guerra,
    a paz ao mundo, alívio ao sofrimento!

    Natal! Festa de amor entre as famílias,
    da qual dimana um fervor divino!
    Que saudades eu tenho das vigílias
    dos meus Natais do tempo de menino!

    João Celorico

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  10. Bom texto... Parabéns.
    Um Abraço e tudo de Bom no Novo Ano (o de 2010)!
    Eugenia Cruz

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  11. Muito legal o texto, quando pequeno vivi em Portugal numa aldéia em Tendais, e não me recordo de nada, mas lembro das filhoses que minha avó fazia no Brasil, era muito gostoso.
    Um abraço

    Jorge de R

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