sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

PEDIDO ANTECIPADO


Desde que te sumiste, que os meus dias cresceram e sinto-me respirar cansado, contando as rugas que não poderás alisar. Não sei que raio de cancro se atreveu a tirar-te de mim, sei apenas que o odeio com todas as forças. Olho lá para fora, vejo o cabeço do casario da Maria Coelheira, do ti Acácio e da Guida do Pastor, todos de saúde, Maria. Todos. E sobro eu, neste domingo de um mês de Novembro infindável. A aldeia estava mansa, aninhada entre a capela e o nevoeiro gelado que alisava o horizonte. Via-se aqui e ali, nos telhados de Rãs, o fumeiro das lareiras onde assavam castanhas e cavacos. Os teus filhos juntaram-se na sala para discutir os festejos natalícios. O Quim mantinha-se de pé e desfavorável a esta reunião de Natal. Que a mãe já não está e que jeito pode ter festejar um natal sem mãe?!

O que todos sentimos e não nos atrevemos a dizer. A regueifa de pão-de-ló nunca voltará a ter o mesmo sabor, nem as filhozes, nem o cabrito feito com uvas passas. Carrego-me o sobrolho, teimando em estancar as lágrimas fugitivas e aflitas. Maria, Maria, Maria, gasto-te o nome. Lembras-te de dizer que se morresses antes de mim, gostarias que as plantas não se finassem? Pois é, de machão e rancoroso contra o que te retirava de mim, detestando cada botão de flor que nascia e que te prendia, sou hoje o jardineiro delas. Sei que a Tília continuará viçosa, aqui em baixo no quinteiro, espreitando à janela da cozinha e que os copos-de-leite e as Páscoas continuarão medrando, estendendo tentáculos até ao chorão urzento, bem perto de onde te avistei viva pela última vez. Maria, as cravinas não resistiram á minha dor e morreram o Verão passado. Logo depois de ti. Também o galo Pedrês me fugiu e apareceu morto no caminho de serventia. Olha Maria, agora que eles conversam do pinheiro de natal, do cabrito com uvas passas copiado de ti, agora que olho para eles e te vejo em cada traço e tique dos nossos filhos, tenho que tirar os óculos e sair sem pedir licença, que o oculista que mos vendeu não previa tamanha chuva a embacia-los.

Faz-me um último favor, mulher, pelo que há de mais sagrado. Não te peço saúde, tenho mais do que queria, peço-te caridade, que intercedas por mim junto d' Ele para me tirar esta febre da tua partida. Pede-lhe amor meu, que me deixe viver o natal na eternidade, junto a ti, como foi sempre, desde que te conheci.

Escrito por Alzira Guedes, do blog Sitio dos Mochos ou do blog Farmácia de Letras e Sons


Se gostou deste texto, vote nele simbolicamente de 28 a 31 de Dezembro.

17 comentários:

  1. Sem dúvida um texto bastante comovente que fala da dor de perder alguém, da saudade imensa que fica e do vazio que parece instalar-se e nada volta a ser como antes.
    Por isso mesmo, é agora que devemos dar valor a quem ainda temos ao lado e demonstrar a essa pessoa o quanto a amamos, pois amanhã poderá ser tarde demais.
    Costuma dizer-se que saudade é amor que fica...
    Amor que fica em nossos corações, onde sempre permanecerão vivas as pessoas que tanto amámos...
    Um Natal com muita coragem e união entre quem nos rodeia...
    Beijos,
    Cristina

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  2. Lindo e comovente tezxto.Emocionante!beijos,chica

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  3. Alzira
    O seu texto é muito comovente.É um hino de amor e saudade...
    Boas festas solidárias
    Bjs
    Alcinda

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  4. Alzira
    Lindo o seu texto, onde a saudade de um amor desaparecido emociona quem o lê. O Natal é realmente a festa da família e, é nestas alturas que mais lembramos aqueles que já perdemos e junto dos quais fomos felizes.
    Beijinhos

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  5. Olá Alzira!
    É verdade.É um texto que nos enche de emoções:tristeza,saudades,força...e sentimos tudo o que o protagonista sente de forma tão real.
    Boas Festas em união!

    Jocas gordas
    Lena

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  6. De facto, um texto muito comovente e até a escolha da foto, um passarinho como mensageiro(?), está perfeitamente de acordo com o conteúdo.

    Se é verdade que algures há uma Entidade que escuta as nossas preces, será provavelmente esta a melhor época para sermos atendidos.

    E se por algum motivo acima do nosso entendimento tal não for possível, faço votos para que a resignação, a serenidade e paz de espírito regressem logo a esse coraçãozinho.

    Um beijo

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  7. Que texto emocionante e lindo!A saudade faz seus milagres de amor!Bjs,

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  8. Como um texto tão triste, pode ser belo e comovente!
    O Natal nem sempre é alegria. Por vezes também é dor!

    Também eu, irei ter um Natal mais vazio.

    João Celorico

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  9. Um texto tão emocionante como comovente, Se é que realmente Deus existe ele ouvi-la com certeza, uma prece feita com tanto carinho e tão cheia de esperança que nem Deus a pode ignorar
    Bom Natal
    Acacio

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  10. Olá Alzira!

    O seu texto consegue transmitir lindamente o sentimento de perda de alguém que se viu privado da companhia de quem tanto gostava, ausência essa ainda mais sentida em noite de Natal. Para cada um de nós, a festa tem significado pela presença - ou ausência - daqueles de quem gostamos; quem connosco a compartilha faz toda a diferença; o resto, a meu ver, ainda que possa ser importante, passa para segundo plano.

    Parabéns. Boa sorte, e bom Natal!

    Vitor Chuva

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  11. Texto muito comovente. Dores que a chamada Festa da Família vem agudizar porque a família já não é o que era.
    Bom Natal, Alzira.

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  12. Querida Alzira,

    Se eu não tivesse sido sempre uma gaiata distraída, se tivesse prestado atenção ao que me dizia o senhor Padre Júlio, se tivesse estado com mais atenção às passagens da bíblia, agora podia dar-te algum alento, partilhando contigo as razões que levam Deus a escrever direito por linhas tortas.

    Mas minha nina linda, como poderei explicar-te o que nunca entendi? Sorry

    Adorei ler o texto

    Que o menino Jesus te traga muita Paz

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  13. Ontem, vim aqui ler os vossos textos natalicios e agradecer os calorosos coments e pelos vistos, o critério do site deve ter-me achado um "spam".
    Tomara que este fique visivel.
    Agradeço em meu nome (porque já perdi pessoas a mais nesta vida) e agradeço em nome do Luís de Beco, meu paciente. A esposa foi minha paciente até se "finar". Seguiu-se o marido pelos motivos óbvios. É raro o dia em que não o vejo penar a falta dela junto à Capela do desterro. Os olhos sempre marejados de saudade. Penso que os natais, todos os que vivemos depois da morte de alguém deixam de ser vividos como natais na sua verdadeira essencia. Tenho 41 anos e só existe natal cá em casa, porque tenho crianças,e é por elas que devemos continuar a inspirar amor e sentido de vida. O amor é a única moeda que vale a pena partilhar, que os euros cada vez menos valem coisa nenhuma diante da familia.
    Um santo natal a todos e agora pergunto: como posso votar nos vossos textos?
    Bjinho Helena.

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  14. É inevitável!
    O Natal nunca mais é o mesmo quando já não temos à mesa uma pessoa que nos "dizia" tanto.
    O tempo ajuda, cicatriza, mas nunca mais volta a ser a mesma coisa...

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  15. Com os votos de Santo e Feliz Natal, aqui deixo um poema de Domingos dos Reis Quita.

    Já da paz o dia
    Nos amanheceu:
    Já o Sol Divino,
    Pastores, nasceu.

    No vale, e no monte
    O lírio mimoso
    Junto da corrente
    Não é mais formoso.

    Nem mais cristalina
    É na Primavera
    A fonte, em que a luz
    Do Sol reverbera.

    Ao ver o vosso rosto
    Tão puro, e perfeito,
    Sinto de alegria
    Rir alma no peito.

    João Celorico

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  16. Por vezes a tristeza é bela e este texto tem a beleza do amor. Abraço solidário. MGonçalves

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  17. Sentir a falta de alguem será sempre reviver os bons bocados da vida. Recordar a nossa progenitora
    é momento vivo da pessoa em falta. Lindo, muito lindo. Abraço solidário Luís M. Lopes

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