sábado, 24 de outubro de 2009

Eu e as panelas

Comer por obrigação era um grande frete. Ter que comer aquelas coisas verdes esquisitas que chamavam de sopa, gramar o sabor da carne, com aqueles nervos que insistiam em prender-se nos dentes ou aquelas espinhas minúsculas das sardinhas, não era comigo, especialmente quando era obrigada pelas freiras do externato… Sempre que podia fugir à refeição consolava-me com o meu pãozinho com manteiga e não dispensava uma boa gulodice (e quem não fez em criança?). Lembro até de pensar que queria ser como os anjos, pois contavam que eles não precisavam de comer, como nós. Por isso quando fui para a escola, era a “Trinca espinhas “, com apenas 14 Kg.

No dia em que a minha madrinha veio a casa fazer uma demonstração com umas panelas italianas, a minha relação com a comida mudou. Não sei se foi por ser a minha madrinha, que eu adorava , mas o cheirinho do bifinho grelhado directamente na panela se entranhou em mim de uma forma inexplicável. O “clique” do apetite ficou activado. A minha satisfação em saborear o belo bife com arroz branco, cozido em pouca água, foi o suficiente para a minha mãe comprar as benditas panelas, bem caras por sinal… A partir desse dia, toda a comida que a minha mãe fazia com as panelinhas, era bem vinda e devorada, num abrir e fechar de olhos. Fosse um Botelho, um Esparguete com coelho e míscaros, uma boa feijoada à transmontana, um Bacalhau à Brás ou um bom borreguito estufado ou umas lulinhas recheadas com puré, bastava ter prato para comer. Agora as farinheiras…as morcelas, o cozido à portuguesa, os espargados, ou o arroz de cabidela tiveram que ter paciência e aguardar por melhores tempos…

Já no tempo de faculdade, o contacto com a panela mais pequena da minha mãe tornou-se mais profundo e  transformou-se num prazer, começando por inventar pratos malucos, que nem sempre corriam muito bem… Quando casei, a minha madrinha, que sabia bem a minha adoração por aquelas panelas, decidiu oferecer-me um conjunto , como prenda. Com o nascimento dos meus filhotes, tornou-se uma prioridade  transmitir-lhes o meu gosto pela comida. Tinha um medo que eles fossem como eu, em criança... Procurando criar ementas  variadas e ricas, porque comer bem não significa quantidade, mas qualidade e equilíbrio. Uma responsabilidade que se transformou num dilema, com o acumular e a sobreposição de vários papéis, a que uma mulher moderna se submete no dia-a-dia, com o trabalho, a casa, os filhos e o marido. Só com uma boa gestão de tarefas e uma boa dose de inspiração e vontade, é possível ir para a cozinha transformar e reinventar pratos. No meio disto tudo, o que me motiva é o facto de eles não terem pretensões de serem anjos... e quando me apanham bem disposta, sou capaz de fazer banquetes de família dignos de rei: ora vejam a minha ementa predilecta:
Sopa de azedas da Madeira; Lombo assado com arroz de passas e pinhão e puré de castanha; acompanhado do vinho do Porto do tio Eurico (e sumo de laranja natural para as crianças); sobremesa: Serradura.

São servidos?

Escrito por Joana , do Blogue Diário de Joana


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14 comentários:

  1. Entendo perfeitamente!

    Não se costuma dar presentes às crianças se comerem a papa toda? eheheh Pois ninguém me tira da ideia que foi um estratagema para ganhar um belo TREM Italiano ... por que é que nunca me lembrei disso? Ora, também não adiantaria muito. A minha madrinha era do ramo das comunicações eheheh

    Mas vamos a ver se entendi bem: A Joana dá as panelas e nós levamos a receita, os ingredientes e muito apetite, certo? Não é má ideia ... e já agora onde é o encontro? eheheh

    Agora a sério, o sabor dos alimentos varia muito conforme o material usado na sua confecção. Por exemplo o arroz de cabrito feito por exemplo num alguidar de barro fica incomparavelmente melhor.

    Gostei de ler ... e ainda mais do TREM

    dentadinhas

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  2. Só mais uma coisinha:

    Ainda mais que do TREM, fiquei com uma pontinha de inveja desse FASTIO genénito.

    Quem me dera ser atacada por esse mal. Juro que mesmo que me quisessem oferecer um trem assim bonito, recusava logo eheheh

    :) :)

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  3. Olá Joana!

    Partilho contigo algo em comum: em criança era 1 castigo comer. No jardim-de-infância eram as bondosas senhoras que me davam o almoço á colherada. Já em casa era o meu irmão, mais novo 4 anos do que eu que me empurrava a comida também á colherada.
    Comer era uma maçada!
    Foi só quando fui estudar para longe da minha terra que comecei a valorizar as refeições e a comida da minha mãe.
    Hoje sei e adoro cozinhar mas, sobretudo, acho que a minha esposa tem um dom para a culinária!
    Parabéns pelo texto.
    Beijinhos!

    Paulo

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  4. Olá Cusca!

    Pois digo-te que magia ou não, a verdade é que as panelas mudaram e fazem parte da minha vida, de uma forma especial.

    Na verdade, a sugestão que fazes é boa: quem sabe um dia desses nos encontramos para um banquete, eu com as panelas e a malta daqui da aldeia com os ingredientes.

    Bjs

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  5. Olá Paulinho!

    Que bom teres vindo aqui espreitar, no blogue da Susana! Obrigadapela partilha. Essa história que contas desconhecia...é mesmo cozinheiro? Quando é que vamos experimentar?

    Bjs

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  6. Pois ...

    Os olhos também comem e não admira que as novas panelas tenham despertado o lado de cozinheira e consequentemente aberto o apetite eheheh

    Depois de ler o texto ocorreu-me que talvez fosse boa ideia eu desfazer-me das minhas, ou pelo menos substituí-las por tamanhos menores e menos atractivas e assim reduzisse também a dose no prato eheheh

    Lembro-me quando era pequena do meu irmão mais velho fazer salada de agrião bravo e azedas que cresciam nos riachos, mas acho que actualmente não reconheceria esse último "legume"

    Esta Aldeia está muito interessante.

    Bom resto de Domingo a todos

    Jinhos

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  7. Ah! Ainda sobre as panelas italianas, tenho uma Amiga que também tem e elogia muito ... essa do naco de carne grelhado directamente, por exemplo, fica fantástico!

    Eu tenho um vulgar tem portugês, marca SILAMPOS, mas mesmo quando cozinhava no vulgar alumínio nunca tive fastio eheheh


    jinhos

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  8. E assim a técnica esteve ao serviço da Nutrição!
    Parece que são umas panelas mágicas que realçam o sabor dos alimentos!E permitem a meninas com fastio tornar-se comilonas!!!!Além disso são lições de vida... acompanham-na desde essa época ajudando-a sempre na busca da perfeição na culinária! Grandes panelas!
    Diverti-me com o seu texto!
    Boa sorte
    Beijinhos
    Alcinda

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  9. Nunca imaginei que alguém começasse a gostar de comer e cozinhar por causa das panelas...é capaz de ser uma boa receita para quem tem filhos que não querem comer...
    Já agora que panelinhas milagrosas são essas??

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  10. Olá Dina:

    Sinceramente, agora que tocas no assunto,acho que aquele dia foi mágico. Agora não sei se a magia veio das mãos da minha madrinha ou das panelas... É claro que não queria fazer aqui publicidade, mas como estão curiosas, vou revelar ´: são as panelas da Imco. Já ouviste falar? Já existem , pelo menos desde os meus 8 anitos...entretanto casei e já tive filhos e não as largo!

    Bjs

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  11. Alcinda: Podes crer! Não há nada como cozinhar de uma forma mais saudável. Fazer um bom fifinho directamente na panela, sem água, nem oóleo ou azeite, não pode ser mais saudável e apetitso, para os olhitos dos mais pequenos.
    Bjs

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  12. Pascoalita: Quando era míúda, as azedas colhiamos junto à ribeira, mas agora tenho umas super azedas no meu jardim, que servem não só para a salada, mas também para a sopa. Vieram da Madeira, há quatro anos. Um dia desses mostro-vos uma fotografia aqui, a se a Susana não se importar de publicar.

    Bjs

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  13. Nunca tive problema para comer quando era miúda. O único problema era não haver comida. Mas minha irmã era um pisco e meu pai tinha uma cana a seu lado que fazia milagres. Era só ele agarrar na cana, que ela engolia a sopa mais rápido do que eu bebo um copo de água. Nunca lhe bateu, mas o medo de que isso acontecesse era enorme.
    Um abraço

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