O cabrito assa demoradamente no forno. O cheiro a gordura estaladiça invade o ar a quem tem a ousadia de entrar na cozinha. Descascam-se batatas pequenas de pele lisa e amarelada, as melhores para assar. Prepara-se o molho, uma pasta apetitosa, bem temperada, que vai cobrir o bicho que continua, lentamente, a assar no forno de lenha.
A Beatriz grita ao marido por lenha. A garotada ri-se e vai ajudar a escolher os troncos mais pequenos e redondos, cortados a preceito e de propósito para que caibam na pequena fornalha.
Rasgam-se as alfaces em pedaços toscos, a cebola em tiras finas, lágrimas escorrem-lhe pelas rugas “olha-me esta que é danada!”.
A mesa é posta com desvelo. Retira-se da pesada arca, a toalha de linho branco, imaculado “bordada pela sua bisavó menina” diz-me a Beatriz todos os anos, os guardanapos são de pano a condizer. Copos de pé alto voltados para baixo, talheres em profusão, o pão casqueiro em lasca fina no cesto forrado com outro bordado.
Assa o cabrito lentamente e saímos todos de casa, bem agasalhados que na Beira o frio é de rocha feito, a caminho da Igreja para a Missa de Graças.
Batem os pés dos homens no adro, como que a espantar o frio, entram mulheres e crianças na Igreja acolhedora, antiga, tectos altos e Figuras Santas que nos impressionam. As janelas de vitral espalham a ténue claridade em cores que alegram as almas.
Assa ainda o cabrito. Devagar. As pequenas cestas do “Pão por Deus” estão prontas, à espera da criançada que vai correr a Vila ainda antes do almoço. Bolos de mel, torrões e pasteis de abóbora encavalitam-se na cesta da mais nova que já não pode com o peso. Há gargalhadas no ar frio que aquecem os corações dos mais velhos “venha cá menina que não lhe dei inda o meu”!
Cheiro a batatas assadas, salada bem temperada de fio de azeite grosso, amarelo.
Cheiro a lareira acesa e a bola de azeite, peganhenta, deliciosa.
“Para a mesa Meninos, para a mesa!”
Cheiros da minha infância. Tão perto .. tão longe.
Escrito por Catarina Price Galvão, do blogue Once
Se acha este texto o melhor, vote nele na barra lateral do dia 28 a 31. Entretanto, aproveite para comentar aqui. Quem sabe, é seleccionado para melhor comentário!
A Beatriz grita ao marido por lenha. A garotada ri-se e vai ajudar a escolher os troncos mais pequenos e redondos, cortados a preceito e de propósito para que caibam na pequena fornalha.
Rasgam-se as alfaces em pedaços toscos, a cebola em tiras finas, lágrimas escorrem-lhe pelas rugas “olha-me esta que é danada!”.
A mesa é posta com desvelo. Retira-se da pesada arca, a toalha de linho branco, imaculado “bordada pela sua bisavó menina” diz-me a Beatriz todos os anos, os guardanapos são de pano a condizer. Copos de pé alto voltados para baixo, talheres em profusão, o pão casqueiro em lasca fina no cesto forrado com outro bordado.
Assa o cabrito lentamente e saímos todos de casa, bem agasalhados que na Beira o frio é de rocha feito, a caminho da Igreja para a Missa de Graças.
Batem os pés dos homens no adro, como que a espantar o frio, entram mulheres e crianças na Igreja acolhedora, antiga, tectos altos e Figuras Santas que nos impressionam. As janelas de vitral espalham a ténue claridade em cores que alegram as almas.
Assa ainda o cabrito. Devagar. As pequenas cestas do “Pão por Deus” estão prontas, à espera da criançada que vai correr a Vila ainda antes do almoço. Bolos de mel, torrões e pasteis de abóbora encavalitam-se na cesta da mais nova que já não pode com o peso. Há gargalhadas no ar frio que aquecem os corações dos mais velhos “venha cá menina que não lhe dei inda o meu”!
Cheiro a batatas assadas, salada bem temperada de fio de azeite grosso, amarelo.
Cheiro a lareira acesa e a bola de azeite, peganhenta, deliciosa.
“Para a mesa Meninos, para a mesa!”
Cheiros da minha infância. Tão perto .. tão longe.
Escrito por Catarina Price Galvão, do blogue Once
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Comentando em prosa e verso
ResponderEliminarFez escola o Celorico
Em Monsanto o cardápio é diverso
A começar pelo cabrito
Põe o bicho para assar
Com batatas de casca amarela
Até tem pasta a passar
E tem mais coisas na panela
Toda a família na cozinha
Traz mais lenha grita Beatriz
Anda logo com a comidinha
Acho até vou pedir bis
Tem torrões e bolo de mel
Tudo gostoso de causar espanto
Melhor que isto só no céu
Mas você pode comer em Monsanto
Para pôr a mesa há muito zelo
A garotada faz alvoroço
Tudo pronto com muito desvelo
Depois da missa sai o almoço
Pra lá de deliciosa a comida
Catarina, seu post, que elegância!
Tem coisa melhor nesta vida,
Que os cheiros da nossa infância?
Que memórias bonitas!
ResponderEliminarAo ler este texto também eu me lembrei de cheiros e reuniões familiares impossíveis de repetir.
Espero que essas reuniões, mesmo que apenas no seu pensamento continuem a ser felizes e a deixá-la com o coração aconchegado!
Quando recordamos vivemos de novo e mantemos vivas essas pessoas e essas recordações no nosso coração.
Excelente relato. Gostei muito de ler e quase senti o cheiro do cabrito assado.
ResponderEliminarUm abraço
Um texto excelente, melodioso e enternecedor, que tem o dom de nos fazer recuar ao tempo em que tudo era feito com método e esmero, e que o ritual era tão ou mais importante que o próprio manjar.
ResponderEliminarCalhou ser cabrito no forno, como podiam descrever as labaredas envolvendo panelas de ferro numa enorme lareira, preparando uma janta menos nobre, num lar igualmente feliz, onde cada Elemento da família tinha um papel importante e bem definido e onde todos simplesmente convivem e partilham o mesmo espaço.
Eu vivi um pouco esse tempo que era tão diferente do "viver apressado" de hoje.
Parabéns pelo excelente texto. Adorei ler e emocionei-me :)*
É verdade Catarina,fez-me imaginar a Beatriz e todos unidos na preparação do cabrito.Parecia-me estar a ler um conto que as crianças iriam igualmente adorar,tal a descriçao é ternurenta.
ResponderEliminarParabéns às nossas duas primeiras participantes.Vêem,eu prometi que vai ser renhido :)
Jocas gordas
Bom fim-de-semana e bons manjares ;)
Lena
P.S.:ei lá que o António está inspiradissimo.Temos poetas :)
É com a maior sinceridade que elogio a qualidade deste texto, bem elaborado, muito bem imaginado, e também porque me faz recuar aos anos da minha juventude,nos Domingos de Páscoa em casa dos meus progenitores.
ResponderEliminarPrato obrigatório neste dia cabrito no forno, com a mesa sempre bem recheada dos tradicionais doces caseiros, alguns que só neste dia eram confeccionados,Merece especial atenção o clima que criou á volta da confecção deste delicioso prato, cheio de requinte e bom gosto, com todos os acompanhamentos a que tem direito. Na minha opinião lamento que tenha omitido um dos principais acompanhamentos, e que sendo de boa qualidade enaltece grandemente a qualidade de tão delicioso prato, um bom vinho tinto. ou para quem aprecia, um bom espumante tinto bruto faz um casamento perfeito.
Parabéns pelo excelente texto. gostei imenso.
Bom apetite
Um abraço
Acácio
Que cheirinho, minha mãe
ResponderEliminardaqui não arredo pé
aqui come-se muito bem
Eu vou já avisar o Zé!
Desculpa-me Catarina
eu dispenso bem a missa
fico a guardar a terrina
ai que pele estaladiça!
Vai uma dentadinha?
Que belo cenário!
ResponderEliminarO cabrito assa no forno, connosco à beira!
Vemos como se faz, quem por ali anda, como se põe a mesa, que toalha se escolhe, que cheiro sentimos e que frio se rapa lá fora.
Um texto fantástico!
As palavras deslizam como aquela gordura estaladiça que invade o ar!
Parabéns.
Como aqui se faz versos
ResponderEliminarSempre que se comenta a alguém
Esperem pelo meu texto
Que é sobre a terra de minha mãe
Bem se come em Monsanto, cabrito assado bem me lembro, bem me lembro...ai
Boa sorte
Manuela
Meus Queridos Amigos que grato é ler os vossos comentários em tudo superiores ao texto de memórias feito que aqui deixei :))
ResponderEliminarum Bem-Haja *
Ai Catarina! Esse Cabritinho de Monsanto dá água na boca...
ResponderEliminarObrigada pela tua presença aqui!
Bjs Susana
Gostei do seu texto. Ele traz uma memória de infância que me sensibiliza!
ResponderEliminarSão os cheiros. os sabores, mas também os usos e tradições de uma terra beirã.
A ida à igreja, os miúdos a pedir o pão por Deus, a toalha de família...partes de um guião de um filme tal é a dinâmica narrativa deste texto.
Até nos parece ouvir os homens a bater os pés para espantar o frio...
Parabéns
Alcinda
Parabéns
Alcinda
Susana Querida Ainda bem que gostaste :) Um Beijo
ResponderEliminarAlcinda não mereço tanto elogio mas confesso que fico "vaidosa" ao ler-Vos a reacção às minhas memórias :)) Não seria nada sem elas, eu.
Beijinho & Obrigada
Parabéns Catarina,
ResponderEliminarGostei muito do seu texto e da forma como nos revela as suas recordações.
Boa sorte.
Beijo
Ná
Obrigada Fernanda :))
ResponderEliminarCara Catarina.
ResponderEliminarBonita e cativante a descrição que nos faz de uma viagem ao passado, ao tempo da meninice feliz - ao que parece já algo distante.
Com muita mestria consegue fazer recuar o tempo - e a nós com ele - fazendo-lhe nós, de boa vontade, companhia nesse seu percurso, sem que disso nos demos conta.
As imagens que a história poderia ter mas não tem,também aqui não fazem falta já que nos consegue fazer ver tudo aquilo de que com tanto gosto fala como se lá, consigo, tivessemos estado.
O que nos conta consegue ter sabor e cheiro, ainda que na folha - que neste caso nem isso chega a ser - só existam palvrase, e isso eu acho extraordinário.
Para concluir, e como de cabrito ainda não falei, informo que do mesmo gosto muito, assim como de todas as outras coisa boas com que nos aguça o apetite mas, acima de tudo, do que mais gostei foi da saborosa história por si contada.
Parabéns.
Um abraço.
Vitor Chuva
Caro Vítor, Bom dia
ResponderEliminarMais grato que escrever por imagens, como por diversas vezes me "acusam" ;) é ler reacções como a sua *
Um bem-Haja e sente-se, há sempre mais um lugar à mesa das minhas memórias :)
Sem muito jeito para tecer loas a textos gastronómicos, por muito bons que sejam, estou aqui porque este me toca mais directamente.
ResponderEliminarAssim:
Mesmo sem nada comentar
vou deixar um voto. Só!
Por isso aqui vai ficar,
na terra da minha avó!
Bem haja,
João Celorico
:)) João, eu é que Agradeço.
ResponderEliminarTexto muito bom e fielmente relatado.
ResponderEliminarO meu pai também é de Monsanto... tempos alegres aqueles que brincávamos na rua, debaixo das oliveiras e das laranjeiras... com as galinhas, os porcos. E andar de burro? :-)
Beijos e continua a lembrar-te do que é são...
Manuela Figueira
:)) Manela, minha amiga, como poderia esquecer-me *
ResponderEliminarBeijos
O apetite já tenho, agora que venha o cabrito. Melhor... irei eu até ele, e que saudades que eu tinha do cheiro do forno a lenha.
ResponderEliminarFelicidades
inigualável Caro Anónimo .. o cheiro e o sabor que "imprimia" em tudo o que por lá se cozinhava ;)
ResponderEliminarObrigada *