quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Moscatel, feito pelo pai do Zé em 1944

Já várias vezes referi no meu blogue que o meu pai era vinhateiro. Tinha quintas, pessoal, tinha o João Pião que deu motivo ao meu conto sobre o jerico.
Recordo com saudades, a grandiosidade das Adegas, dos lagares, dos toneis, das pipas, dos barris, dos funis de madeira, das prensas de pedra para espremer os engaços, os chapéus dos trabalhadores sujos com o mosto, de uns anos para os outros, por transportarem à cabeça as uvas das camionetas para os lagares e a pisa cadenciada, sem cantares nem concertina (isso eram coisas do Norte), mas em alternativa havia sempre uma anedota mais picante que ás vezes roçava o ordinário.

O pai António, era um homem organizado e quando chegava os últimos dias de Julho pegava na sua pasteleira e ia visitar às Cabanas, povoação do Concelho de Palmela, onde um amigo de longa data era o seu representante na região para lhe dar dicas das propriedades onde as cepas estavam mais compostas e com perspectivas de bons cachos para fazerem vinho.
É que, para a quantidade que necessitava para fazer o precioso liquido, as uvas das suas propriedades não chegavam, tendo por isso de negociar com outros agricultores.
O Zé vivia habituado a tudo aquilo e ano pós ano o ritual repetia-se. Como eu recordo as uvas comprada na Barra Cheia, concelho do Barreiro a uma senhora solteira já a entrar na casa dos 60 anos, mulher do campo, que só uma vez sonhou em namorar, e até esse pretendente, não passava do Stº. Hilário, imaginário que a aguardaria num dos corredores do céu, no sentido de lhe pedir contas pelo facto de não ter arranjado marido para a ajudar nas lidas do campo.
O negócio foi de vulto, e a Senhora, convidada do meu pai, teve honras de embaixadora em representação da Barra Cheia para comer e ficar em nossa casa com a sobrinhita a um fim de semana, depois de receber o valor das arrobas de uvas que a sua quinta tinha produzido.
Já depois de deitadas, não recordo porquê, a mãe Julia teve necessidade de entrar no quatro. Bate, entra e depara com a Dnª Cesaltina com as suas próprias cuecas (tipo clótes) enfiada na cabeça, onde no sitio da “parrachita” aparecia uma mancha amarelada, fruto de uma mijadinha menos controlada. O Zé que tinha sido admoestado para não entrar, mas não fugiu à tentação de dar uma olhadela e como seria de esperar desatei a rir à gargalhada, pois as pernas da peça em causa não deixavam ver as orelhas.
Prometi a mim mesmo não contar a ninguém o que tinha visto, coisa digna de um filme-comédia italiano dos anos 60. Podem calcular que cumpri escrupulosamente e no outro dia não contei a ninguém , mas em conta partida não houve gato nem cão que não ouvisse da minha boca, a historia das cuecas enfiadas na cabeça.
Quantas vezes fui ao Efem Rodrigues, à rua da Prata em Lisboa, buscar as analise que com toda a regularidade o meu pai mandava fazer ao vinho e comprar produtos de correcção de forma a manter inalterável a qualidade do precioso néctar.
E até a mãe Júlia, aproveitada bem a ocasião para fazer um doce de uva, coisa que jamais comi de paladar tão requintado. Nada igual ao que já provei recentemente e adquirido em super mercado.
Em Monsaraz , quando numa extensão da visita que fiz a Alqueva, para apreciar a barragem que originou o maior lago artificial da Europa e que num futuro muito próximo se tornará no maior lago conspurcado do Mundo, tais são as imundices que por
ele flutuam, adquiri um frasco de doce de uva branca, que comprei imediatamente para fazer comparação com o que as minhas glândulas gustativas acusam, fiquei mais uma vez decepcionado.
Em traços gerais, estas são recordações que tenho das azáfamas do Vinho e dos meus tempos de menino.


Escrito por Zé do Cão.

Este texto não está a votos... por ter chegado atrasado. Mas sempre pode deixar um comentário ao nosso amigo aqui..

10 comentários:

  1. Falar sobre vinhos, eu que sou abstémia, foi coisa que não me entusiasmou. Também nunca assisti a vindimas e por isso, esta blogagem não me despertou interesse. Porém o seu texto despoletou uma série de recordações e apeteceu-me transcrever algumas.
    Somos quase vizinhos e por isso mesmo,temos muitos pontos de recordações parecidas. Meu pai não era vinhateiro. Era apesar do seu 1,57m o maior homem que me foi dado conhecer até hoje. Por muitas razões que não vem ao caso, não vá sair daqui um romance em vez de um comentário. Meu pai foi criado de uma fazenda onde faziam vinhos. E talvez daí lhe ficou um sonho. Fazer o seu próprio vinho. Mas nós éramos muito pobres, o dinheiro não dava às vezes para a comida quanto mais para os sonhos. Mas ele nunca desistiu. Depois de ter conseguido do patrão permissão para cultivar para si um pedaço de terreno, e ter feito umas capoeiras onde começou a criar galinhas e patos, fez um chiqueiro e foi ao mercado da Moita comprar um leitãozinho que criou. Quando o leitão virou porco grande, ele mesmo o matou e cuidou de salgar parte das carnes. Naquele tempo não havia frigoríficos. Os presuntos foram curados e dependurados numa das traves do barracão de madeira onde vivíamos. E os chouriços, foram primeiro para o fumeiro depois para uma enorme panela de esmalte, e cobertos com azeite.
    A vida melhorou um pouco, já não era preciso comprar tudo e o sustento da mulher e dos filhos estava assegurado. Faltava o vinho. Mas como fazê-lo se não tínhamos uvas nem lagar? Bom, na Seca do Bacalhau onde vivíamos, o gerente, e os caseiros faziam vinho todos os anos. Havia um lagar na Quinta do Bernardino que era utilizado por todos. As uvas eles compravam. Vinham da Barra Cheia, de Palmela, de Porto Alto e de outras localidades.
    Meu pai conseguiu primeiro fazer cem litros de vinho, comprando não lembro quantas arrobas e fazendo junto com o Bernardino, aliás o tonel era do Bernardino.
    Anos mais tarde o meu pai já tinha vários pipas e cartolas, (não sei qual é a diferença, mas ele designava-os assim) e fazia vinho para ele, e para os cunhados. Todos os anos no inicio de Setembro ele tinha uma trabalheira com a limpeza do vasilhame. As lavagens a verificação das aduelas, as mechas de enxofre ardente eu sei lá mais o quê.Meu pai dizia que um bom vinho dependia 60% da casta, 25% de uma boa limpeza das pipas, e 10% do cuidado na pisa, e 5% da qualidade da madeira das pipas. Quando a uva chegava, e era despejada para o lagar onde ele, os meus tios e alguns vizinhos, faziam a pisa era lugar sagrado dos homens. Nem minha mãe, nem qualquer outra mulher entrava lá na casa do lagar. Podiam estar "estragadas" e arruinar o vinho. Um dia perguntei à minha mãe, o que era "estragada" e fiquei a saber que segundo a tradição naquela época se acreditava que se uma mulher estivesse com o período e entrasse no lagar durante a pisa, o vinho ia ferver todos os meses até azedar. E também me lembro de um primito que era muito franzino e que ainda não andava, e que foi mergulhado até à cintura no mosto "para enrijar as pernas, e correr que nem uma lebre".
    Depois de espremer o engaço, meu pai levava-o para o Montijo onde o transformavam em aguardente.
    E também mandava fazer as análises do vinho em Lisboa, mas não sei onde.
    Muito engraçada a história da D. Cesaltina e seus culotes.
    Engraçado é que quando há 3 anos fui a Monsaraz, também foi numa ida para ver Alqueva. Mas não comprei nenhum doce, minha mãe nunca fez outro doce que não o de tomate, que meu pai sempre semeava em demasia, já a contar com o doce para "os miudos"
    Um abraço, mais uma vez parabéns pelo texto e tenho muita pena que o seu texto não esteja a concurso.

    ResponderEliminar
  2. Minha querida amiga Elvira de Carvalho. Deixe que a trate assim, sinto-me mais à vontade. É assim, sim é assim, rigorosamente tudo quanto conta. As mexas de enxofre, a presença das mulheres, o lavar, o tirar o sárro, entrar dentro dos toneis, que levavam milhares e milhares de litros, as cartólas, as pipas. O Marmelo a servir de rolha para dar aroma, os petizes enfiados no mosto para crescerem saudáveis e serem fortes, as aduelas a necessitarem de tanoeiro.
    O seu comentário é reviver e outra vez ser menino. É outra vez ter a mãe Julia e o pai António, é outra vez ter as lágrimas nos olhos por saudades dos tempos que não me voltam.
    Obrigado, reconhecidamente obrigado pelo comentário.
    Quando a ter pena deste não ir a concurso. Sinceramente não tenha pena, eu também não tenho, nunca tive espírito competitivo nem paciência para ter obrigações, quando se trata de laser.
    Respeitosamente "Beijos"

    ResponderEliminar
  3. ahahahah o Zé trouxe o vinho, a Elvira o chouriço e o presunto e agora sim, estão reunidas as condições para abancarmos aqui e encher o papinho de coisas boas! Deixem-sme só passar ali no "lugar da maria" que estes pitéus merecem ser acompanhados com um bom naco de centeio, e já agora trago também as zeitonas ... estas histórias interessam-me bem mais que os afazeres da chafarica que não passam do mesmo eheheheh

    ResponderEliminar
  4. Sim senhor, a minha querida amiga Pascoalita fez- me o favor aparecer por aqui.
    Estava a pensar contar a aventura que passei em S. Miguel de Acha, já lá vão mais de 50 anos, devidamente acrescentada com uma segunda parte, que até meteu almoço e jantar de casamento. Tempos de Ouro do Zé.

    Beijocas

    ResponderEliminar
  5. Dizem que dos atrasados não reza a história, mas estão falando dos mentais. Mesmo assim há para aí cada um que temos de aturar...
    Pois o seu texto é atrasado sim, mas no tempo. "Portantos", cá vai o meu reles comentário!


    O vinho tem triste sina!
    Zé do Cão, meu “bom” menino,
    o Zé, viu Dona Cesaltina
    mas, esta fazendo o pino!

    Desde o Algarve ao Minho
    todo o vinho é como é!
    Agora já ia um copinho
    do vinho do pai do Zé!

    Precisa um segredo guardar?
    Venha cá que o Zé não mente.
    Podemos, todos, nele confiar.
    Fica a sabê-lo toda a gente!

    João Celorico

    ResponderEliminar
  6. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  7. ahahahah ahahahahah só hoje li este comentário, em forma de verso, do João Celorico

    O texto está um espectáculo! Já tive ocasião de o dizer lá no seu espaço

    E o Zé era um poço sem fundo ... contem-lhe um segredo que ele só conta a mais dez (de cada vez eheheeheh)

    ResponderEliminar
  8. Caro Zé: Ainda bem que participaste e comentaste por aqui. Estava a ver que andavas desaparecido por estas bandas!

    Apesar de não fazer pate da votação,agradecemos o seu contributo, que enriqueceu bastante esta blogagem! `

    Abraço, Susana

    ResponderEliminar
  9. Cara Elvira: Pena não ter participado directamente na blogagem com este comentário! Dava uma excelente postagem!

    Bjs Susana

    ResponderEliminar
  10. Suzana, uma pena que o meu texto não foi acrescentado à blogagem, mesmo tendo vindo lhe avisar da mesma.

    ResponderEliminar