Quando falo da minha terra, há sempre alguém que recorda que é a terra do bom vinho. Atrás disso vem à baila também a lembrança dos momentos de garotice vividos nas vindimas.
O mês de Setembro sempre foi um mês bem marcante: o início da escola e da grande agitação das vindimas. Às cinco da manhã lá estava eu, com a roupa mais velha que tinha, um balde, uma tesoura e um chapéu, pronta para seguir viagem. Sentada no atrelado da antiga carrinha azul dos meus pais, juntamente com mulheres de várias idades alí íamos sorridentes para mais um ano de vindima. O tema de conversa batia sempre no mesmo:"vamos ver se este ano vamos ter muita uva". Íamos para as pequenas quintas dos meus avós paternos e maternos colher uva branca e preta. Grande parte se concentrava na Vila Fria da Quinta de Falhas, ao longo do vale da Quinta da Veiga e no monte da "Cornalheira". Essas quintas faziam parte da freguesia de Longroiva e da Fontelonga, e estavam contempladas na região demarcada do Douro. Dava gozo ver a parra colorida de variadas cores quentes, especialmente quando as avistávamos lá no alto do monte da Cornalheira. Desde que o sol nascia, até às cinco horas da tarde, a tarefa era sempre a mesma: colher a uva, deitar para o balde, até encher. Esvaziá-lo e voltar a colher. Nada podia falhar: branco para um lado e preto para o outro. Não havia lugar para paragem, pois tinhamos muito trabalho para largos dias. Para tornar a tarefa mais agradável, muitas histórias e mexericos eram contados e a alegria reinava nesses convívios.
Confesso que participava nessas vindimas, porque assim me obrigavam. Aos fim de semana não havia escapatória... e lá íamos, eu e a minha irmã às vindimas. Não era o trabalho que mais gostava de fazer... pois nesses dias preferia limpar a casa de cima a baixo várias vezes ao dia, que ir à vindima. Isso porque sei que para fazer o vinho tão apreciado, muito suor e sacrifício se mistura nesse processo, que começa muito antes da vindima, com a poda, a empa, o esladroamento, a desparra, a escava, a cava, a fertilização e as curas. As vindimas são o resultado de um ano de trabalho, quantas vezes não correspondentes ao trabalho feito por causa dos caprichos do tempo...
Dos meus avós apenas restam as vinhas, que o meu pai tomou o gosto e faz questão de manter e aumentar, para produzir o seu vinho caseiro e para vender as uvas a grandes produtores de vinho.
Este ano ainda não começou, mas promete ser mais um ano bem agitado. Numa terra, onde se sabe bem o significado e o valor do trabalho no campo e da vinha, que produz o célebre vinho do Porto, o ouro sobre o azul dessa gente.
Escrito por Carina
Se acha este texto o melhor, vote nele na barra lateral e aproveite para comentar aqui
Gostei do texto :)*
ResponderEliminarA minha irmã (4 anos mais velha) ao contrário de mim, também sempre preferiu ficar a cuidar da casa.
Ainda me lembro da algazarra que fazíamos nas vinhas! Contratavam-se trabalhadores de aldeias vizinhas (Fiães, Frechão, Torres) e havia cantoria o dia todo eheheh
Havia uma vinha na povoação, mesmo junto à igreja, que ao centro tinha uma alameda ladeada de amendoeiras que nós, os mais jovens do grupo, íamos colhendo e comendo para desenjoar das uvas eheheh
Havia sempre alguém que fazia a inspecção à vinha, à procura das melhor uvas, deixando-as por colher e de vez em quando lá nos escapavamos, em risotas, acocorados por entre as parras, em busca delas. Lembro-me de pelo menos 2 "castas"
- ferral francês e "colhão de galo" eheheheh
Gostei muito do texto, em especial porque fala de zonas que conheço e me dizem muito.
Na 2ª e 3ª décadas do século passado, o meu avô materno ia a pé de Freches para Marialva e zonas limítrofes fazer as vindimas.
Jinho
Gostei muito deste texto :))
ResponderEliminare realmente o pitoresco que encanta muitos é ainda fonte de sacrifício, suor e lágrimas para tantos outros que dependem da Natureza e do trabalho árduo !
Bonita forma de nos contar as suas memórias deste tempo *
Beijinho
(Once)
Receba o meu curto comentário:
ResponderEliminarVales montes e Quintas
tudo nas vindimas é uva.
De cor, brancas ou tintas
pedem mais sol que chuva.
Pode o rótulo ser artístico
mas para o vinho ser melhor
além do sabor, característico,
do corpo do povo leva o suor!
Por fim, quem isto assina,
ao trabalho dando valor
dá pelo nome de Carina
e eu não diria melhor!
João Celorico
Cara Carina,
ResponderEliminarNão sendo do Douro mas da cidade do Porto, onde vivi quarenta anos, catorze dos quais a trabalhar como guia nas caves da Ferreirinha, no entreposto de Gaia, posso-lhe dizer que sei mais teoricamente do que na prática como se processam as vindimas no Douro.
Sei contudo o suficiente, até porque se nunca vindimei no Douro, estive muitas vezes, com mais frequência na Quinta do Porto, na altura das vindimas a serviço da Empresa a acompanhar turistas que vinham expressamente para assistir à pisa a pé nos lagares de granito, que ainda existem como sabe.
Fazem-se pisas a pé, não só para turista ver mas para a produção dos possíveis Vintages. Uma selecção e quantidade bem menor de uvas que não devem ser maceradas com máquinas para que a pevide/grainha não seja esmagada por forma a que não seja dado ao vinho uma acidez não desejada, e ainda para que todos os taninos das películas das uvas sejam libertados para fornecer ao vinho o tom mais púrpura possível, uma vez que a sua longevidade irá depender largamente deste facto.
Entendo perfeitamente quando diz que preferia mil vezes ficar em casa e limpá-la de cima a baixo do que ir às vindimas.
No Douro o calor é insuportável no Verão, diz-se que o Douro tem nove meses de Inverno e três de Inferno, e vindimar debaixo de temperaturas de 40º Centígrados não é fácil, assim como não é fácil andar o dia inteiro abaixada, quase aninhada, uma vez que a vinha é baixíssima. As dores de costas são garantidas.
Todo o trabalho anual do vinhedo é da máxima importância, como frisou e muito bem, uma praga pode ser fatal, e só há poucos anos e também só as grandes Empresas começaram a mecanizar parte desses trabalhos alargando os terraços nos socalcos xistosos, dantes todos construídos pela força do homem, numa luta quase desumana.
A única vantagem de se ir a uma vindima é a de ir comendo uvas deliciosas, desde as malvasias brancas até às tourigas nacionais e francesas e de vez em quando lá apare um pé de moscatel (embora essa não seja um casta para vinho fino) por isso o melhor é mesmo comê-las, não acha??? E depois há uma alegria contagiante no ar que faz esquecer todo o resto.
Gostei particularmente do uso dos termos regionais que usou e da forma singela mas muito bonita como nos falou das suas vindimas na sua meninice. Bons tempos!
Ainda não li mais nenhum outro texto, mas gostaria desde já de lhe dar os parabéns pelo seu excelente trabalho.
Boa sorte!
Bj.
Fernanda
Caros bloguistas:
ResponderEliminarAntes de mais quero agradecer as palavras a mim dirigidas.Foi com muito prazer que li estes comentários, que vão ficar no meu coração. A culpada da minha presença aqui...foi a minha manita, a adimintradora deste blogue que se fartou de me chatear para escrever. E ainda bem que chateou...
Beijinhos para todos!
Carina Falhas