quarta-feira, 10 de junho de 2009

Nuzedo de Baixo

Costumo dizer que não tenho "terra"! Nas férias, fins-de-semana prolongados, Natais... quando ouvia amigos e colegas dizerem : "Vou até à terra!", eu ficáva sempre com aquela sensação de pária porque não tinha"terra" para onde ir!!!
Nascida e criada em Lisboa, esses períodos de lazer eram passados aqui mesmo ou noutros locais que não eram a "terra" de ninguém da família.
Evidentemente que, ao longo dos anos, conheci terras lindíssimas, fossem elas aldeias, vilas ou cidades do nosso país mas nenhuma a que eu pudésse chamar "a aldeia da minha vida"!
Acontece que casei com um transmontano dos sete costados!!! Filho, neto, bisneto, trineto, tetraneto, ..., de transmontanos por parte materna e paterna, o meu marido é um genuíno filho das terras para além do Marão!!!
Embora, efectivamente, só tenha vivido cerca de 6 anos dos seus quase 53 na sua aldeia natal (dos 2 aos 7 viveu em Moçambique, fez a Primária na aldeia e, depois, partiu para Coimbra e, mais tarde, Lisboa, para estudar), os meus sogros mantiveram-se em Trás-os-Montes até falecerem.

Por isso, elegi a sua aldeia natal, um lugarejo nas margens do rio Tuela, perdido nos montes da Terra Fria transmontana, como a aldeia da (sua) minha vida. Chama-se Nuzedo de Baixo.


UM POUCO DE HISTÓRIA...
A aldeia de Nuzedo de Baixo pertence à freguesia de Vale das Fontes, concelho de Vinhais, distrito de Bragança.
Outrora, esta aldeia foi, ela própria, uma importante freguesia independente. Aqui se situa o famoso complexo mineiro de Nuzedo/Ervedosa, actualmente paralisado. Fez acorrer à região gente de origem e culturas diferentes que, enraizadas, deram origem a uma população mista com traços antropológicos distintos da que permaneceu na zona norte.
A exploração de estanho manteve-se até 1969 quando os proprietários abandonaram a mina a céu aberto. Muitas centenas de pessoas emigraram. Resta a memória de uma época áurea: há mais de meio século já a aldeia tinha central eléctrica, ruas calcetadas a granito, água canalizada, cinema de manivela e um campo de futebol que também servia para o avião do dono das minas aterrar.

Hoje, é um autêntico museu de arqueologia industrial!
Nuzedo aparece nas Inquirições de 1258 com um grande manancial de informações. Por elas ficamos a saber que D. Afonso Henriques doou, em data desconhecida, a um tal Fernando de Anais, metade da "villa" de "Luzedo qui vocatur de sub castelo" e este indivíduo deu-a ao Mosteiro de Cadões ou Monte do Ramo.
No séc. XIV ou XV, passa a paróquia. Já no séc. XVIII surge como freguesia mas, na primeira metade do séc. XIX é anexada a Vale das Fontes.


A VIDA NAS MINAS...
Segundo o geógrafo Carlos Patrício, natural da aldeia de Nuzedo de Baixo, as minas são um testemunho vivo de um espaço de exploração, onde não havia domingos nem dias santos e onde nunca se ouviu falar de direitos de trabalhadores.
Carlos Patrício acompanhou, desde muito novo, a actividade mineira e conta como era dura a vida dos mineiros. “Vivia-se uma realidade incrível, que hoje é difícil de imaginar. Os verdadeiros mineiros demoravam, apenas, quatro a cinco anos até ficarem completamente liquidados com silicose”, enfatiza o geógrafo.
"A dureza dos trabalhos e a propagação de doenças, devido à contaminação do minério, eram os problemas que viviam com os mineiros e com a sua família. Havia famílias inteiras a trabalhar nas minas. Para além disso, as crianças conviviam diariamente com pessoas tuberculosas. Eram tempos muito difíceis para estas pessoas, que arriscavam a vida para ganhar dinheiro e sobreviver”, realça Carlos Patrício.
Na óptica de muitos especialistas, devia haver apoios para recuperar o Couto Mineiro, que para além de representar parte da história transmontana é um local que poderia ser recuperado e inserido num roteiro turístico capaz de trazer visitantes ao Nordeste Transmontano. Esta posição é partilhada pelo geógrafo Carlos Patrício, que lamenta a perda daquele património.“É importante recuperar aquelas minas e sinalizar as zonas perigosas, nomeadamente os fornos de arsénio e as partes do terreno que estão contaminada. Posteriormente, esta zona devia ser aproveitada para o turismo, através de visitas guiadas e aproveitando as memórias das pessoas que trabalharam nas minas e ainda são vivas”, salienta o geógrafo.


A ACTUALIDADE...
Não consegui saber qual o número de habitantes que vive, actualmente, em Nuzedo de Baixo mas sei, porque o meu marido ainda tem lá vários familiares, que são já muito poucos e, na sua maioria, idosos.
O encerramento das minas provocou a emigração de muita gente principalmente para França, Alemanha e Espanha. A falta de braços para trabalhar a terra, boa para o cultivo da batata e do centeio, entre outros, rica em oliveiras, castanheiros e carvalhos, para levar o gado a pastar... levaram à degradação da aldeia e das condições de sobrevivência dos habitantes.
Os meus próprios sogros viram-se obrigados a sair de lá e, embora não saindo do seu amado Trás-os-Montes, procurarem outro modo de vida em Mirandela. Depois do meu sogro falecer, a minha sogra viria a vender o património da família por não haver quem trabalhásse na terra.
É urgente olhar para as aldeias do nosso país, principalmente para as do interior profundo, esquecidas, ostracizadas. maltratadas e mal-amadas!
Ainda conheci Nuzedo com alguma Vida, lembro-me como fui bem recebida e acarinhada (e como me atolei com os meus saltos altos, até aos tornozelos, menina ignorante da cidade, na lama do pátio inferior da casa onde galinhas, perús, patos e porcos conviviam, na primeira vez que lá fui!!!). Da última vez que visitei a aldeia (e já lá vão uns anos...) era já uma terra a morrer.
Haja alguém que a "ressuscite", assim como a muitas outras. Os nossos antepassados merecem-no, os nossos filhos e netos têm direito a conhecer o seu verdadeiro Portugal!




Escrito por Gaby
Nuzedo de Baixo/ Vinhais / Bragança
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http://gabi58.blogspot.com/2009/06/blogagem-colectiva-aldeia-da-minha-vida.html
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10 comentários:

  1. Já disse à Gaby, que esta aldeia é mesmo nos confins do mundo :)
    mas conhecer a história é interessante e por isso parabéns.

    Beijinho

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  2. Olá Gaby!

    Quero agradecer-lhe a sua participação, e em especial o tempo que (foi pouco) que dedicou para escrever sobre a aldeia do seu marido, que por sinal também é sua. É um contributo que torna ainda mais rica a blogagem.

    Obrigada! E espero encontra´-la por aqui na próxima semana!

    um abraço, Susana

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  3. Um muito obrigado à minha mulher por me ter feito regressar ás minhas memórias da pouca infância que passei em Nuzedo de Baixo. Ao ver as imagens recordo a casa dos "patrões Ingleses" onde o meu pai foi jardineiro - agora matagal, a cantina onde o meu pai era o encarregado - agora em ruinas. E um sem número de imagens que me parece que foi ontem que eu nasci lá. Sofri com as badaladas da Sta Bárbara - ou afugentava trovoadas ou anunciava acidente grave na Mina. Enfim, que mais dizer? Que ainda hoje eu volto à Mina como tanta vez eu fui esperar com o meu primo Zé o Tio Acácio que caminhava por carreiros nos Montes cerca de 4 km para ir à Central Eléctrica: à Torga! E tanta história de suor, de silicose e de sangue que escutei e vi! Horrivel. Hoje ainda nos queixamos das faltas de condições de trabalho; reclamamos o ar condicionado(quente ou frio; faz-se greve para reclamar os direitos adquiridos por uma Constituição que na altura não havia; fazem-se abaixo-assinados contra as condições infra-humanas em que muitos povos vivem; e nas Minas do Tuella nada era permitido. E havia a GNR, filhos de outras Terras que guardavam bem os tesouros escondidos, os filhos dos patrões e calavam qualquer veleidade que surgisse da boca de um mineiro que apenas reclamava respirar um pouco o ar sem o pó de silício ou fugir da explosão de metano ou ainda por pedir que tratassem de revisões das vagonetas. Tanta memória que escutei e que também silenciei porque era menor de idade!
    Também servi de cobrador de dívidas que os Mineiros tinham na "taberna" do meu pai onde tudo se vendia desde tabaco Kentuki a tecidos e até urnas funerárias. Andava todos os Sábados com a "papeleta" na mão e a tocar de porta em porta a pedir algo para abater nas dívidas. E uma "colheita" de 5-10 escudos era fabuloso. Tinha como prémio 2 tostões. O meu irmão tinha vergonha desta tarefa. E o meu pai também porque afinal era também filho de Mineiro e sabia das desgraças familiares deste povoado mineiro.
    Obrigado mulher. Foi bom recordar com uma lágrima ao canto do olho tempos da minha meninice.

    Gilberto Dias Borges

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  4. Eu nem sou destas coisas... Tinha prometido a mim mesmo que não comentaria qualquer "post" nem sequer prestaria atenção a algum blog (uma vez que os acho uma perda de tempo).

    Mas enfim... Este "post" chegou-me às mãos via email e não podia ficar indiferente. Ficar indiferente seria esquecer-me de quem sou e directa ou indirectamente de onde venho. E isso é das poucas coisas que ainda me diferencia no meio desta sociedade comercializada.

    Não nasci numa aldeia, tão pouco sei o que isso significa. Nasci numa cidade, onde a paz, o sossego, as estrelas não se avistam. Nasci num prédio onde moram 40 famílias, e contam-se pelos dedos das mãos o número de pessoas que eu cumprimento com um simples bom dia. Nasci numa cidade, vazia de sentimentos, momentos e emoções...

    Lembro-me quando era mais novo de ouvir falar o meu pai da sua aldeia... Recordo-me das suas histórias fantásticas e das suas aventuras pelas montanhas... Lembro-me de pensar naqueles momentos o que eu daria para poder vivê-las. Mas sabia que era impossível pois a vida "obrigou-o" a cortar a sua ligação com a sua aldeia. Então só me restava sonhar e imaginar como seria viver num sítio tão perfeito.

    Até que um dia, após alguma insistência da minha parte, o meu pai levou-me à tal aldeia. Sentimento nostálgico. Parecia que já lá tinha ido mil e uma vezes mas na realidade era a primeira vez que la estava. Conhecia já cada casa, cada canto e todas as pessoas me eram familiares. Sentia-me em casa. Olhar para o meu pai e vê-lo a reviver cada pedra, cada porta, cada parede, cada cantinho, cada pedaço de terra, foi maravilhoso. Vê-lo reviver a sua infância foi como conhecer melhor o meu pai. Que orgulho tive (e tenho!) nele e nunca tive coragem de lhe dizer. Que "inveja" tive naquele momento de não ter podido viver naquele lugar.

    E caminhamos... Entretanto algo de estranho se começou a passar... A ilusão começava aos poucos a desaparecer... Já não havia 40/50 miudos pelas ruas a brincar, a jogar a bola, a ir ao rio, mas sim meia duzia de idosos a ver o tempo passar...
    Restava sim o rio, a montanha, meia duzia de casas habitadas e uma magia imensa em cada canto. Tudo parecia ter uma história para contar.. Conheci uma tia que pediu à minha avó que fosse viver com ela. Recordo-me bem o que eu pedi para que ela fosse, para que finalmente eu pudesse reviver aquelas histórias que já tinha vivido 1001 vezes na minha cabeça. Mas não aconteceu... Mas eu prometi antes de deixar aquela terra que não passaria mais nenhum verão sem ir lá. Prometi que percorreria todos os caminhos antes percorridos pelo meu pai. Passou um ano, dois, dez e nunca mais lá voltei... Passou um, dois, dez e a magia desapareceu... Mas hoje voltei a recordar a minha infância e acima de tudo, voltei a recordar aquilo que sou e de onde venho... Hoje voltei a recordar "a minha aldeia"!

    Eu voto no texto "Nuzedo de Baixo" da autoria de Gaby. Assinado Pedro Borges - Borges_3@msn.com

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  5. há 19 anos que conheço nuzedo, o mesmo nº de Natais que lá passo assim como férias de verao
    Moro no distrito de lisboa e quando comecei a descobrir aquelas terras demorava 8h a lá chegar
    Hoje faz-se em 4h e por isso quase todos os meses lá vou.
    que se poderá dizer mais sobre aquela terra e aquelas gentes?
    É mágico. só lá indo e estando se pode "absorver " um pouco daquele encanto.
    Nao foi por acaso que Miguel Torga chamou "Reino Maravilhoso " a Tras-os-Montes

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  6. Olá!
    Muito bom a descrição que fez de Nuzedo. Já um tempo procurava informações desta aldeia. Meus pais são de lá e vieram ainda pequenos para o Brasil. Mas com frequencia eles ainda vão visitar a terrinha.. hehe
    Mostrei para eles o vídeo com as fotos de Nuzedo. Se emocionaram muito. Este vídeo mostra até algumas casas que pertencem ou pertenceram aos meus familiares.
    Muito obrigado.
    abraços
    eduardo manuel fonseca

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  7. Para quem gosta das minas de Ervedosa, foi editado o livro: As minas de Ervedosa - esfígie de memória e narrativa, da autoria de Celina Busto Fernandes.
    desfrutem, Boas leituras

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  8. Estive lá esta tarde... Obrigado pelas histórias, esses preciosos resquícios de um mundo que vamos perdendo.

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  9. Encontrei este seu artigo e, por extensão, o blog, numa pesquisa que fiz aos termos "minas" e "Nuzedo", com o intuito de tentar documentar um "post" no meu próprio blog. Sou natural de Vale de Janeiro, aldeia hoje menos distante de Nuzedo do que nos tempos a que o seu artigo se reporta. A minha mãe ia vender leite, feijão, batatas, ovos e toda a espécie de género alimentício transportável numa mula. Muitos homens de Vale de Janeiro trabalhavam nessas minas. Lembro-me de ouvir falar da "doença da mina". Todos os dias rebentava uma bomba à 1 hora da tarde para pôr termo aos trabalhos da manhã. Obviamente,o seu artigo tem para mim uma forte componente emocional porque me atira para um passado que, também eu, estou a tentar reatar para a minha aldeia, neste caso, Vale de Janeiro, para poder reconstituir algum desse património, apenas algum, porque a maior parte desse patrimómio está irremediavelmente perdido. Eu também não vivo em Vale de Janeiro, mas vou lá em férias, pelo menos, três vezes por ano.Muito obrigada pelo seu artigo. Parabéns pela sua escrita e pelo seu interesse.

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  10. Luís Manuel Dias Álvares Telésforo26 de maio de 2012 às 15:59

    Vamos chamar a isto "regresso às origens". Passei alguns tempos de férias em Nuzedo, em casa da avó Rosalina, embora ainda me recorde vagamente do avô Teófilo. Gostarei de saber mais do avô, da avó, das minas, de Nuzedo.

    LUIS MANUEL DIAS ÁLVARES TELÉSFORO
    ldiastelesforo@hotmail.com

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