terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O CARNAVAL E AS SUAS TRADIÇÕES‏



Na minha aldeia o Entrudo ou Carnaval como hoje é chamado vivia-se de forma simples. Procurava-se roupa e objectos velhos, algo que escondesse o rosto e de seguida brincava-se… Reuníamo-nos todos uns dias antes para combinar-mos de que maneira nos íamos mascarar. Tudo nos servia para fantasiar. Então, decidida qual a fantasia de cada um, começava o "assalto" à arca da roupa dos familiares, em busca dos adereços adequados, e cada qual se revestia da personagem escolhida. Uma era a noiva, outra a velhinha, os meninos vestiam-se de pedintes, velhos, coxos, marrecos, barrigudos… cada um se fantasiava nas suas personagens favoritas e conforme a roupa e a ocasião assim o inspirassem. Também fazíamos espantalhos em tecido e palha para colocar na porta das pessoas na noite de Carnaval.
De manhã ao abrir a porta, o espantalho caía e as pessoas assustavam-se e gritavam. Outra das brincadeiras era prender as portas das casas dos vizinhos umas às outras com cordas. De manhã cedo lá estávamos nós a espreitar a reacção de cada um. Gerava-se logo ali um alvoroço tremendo:

- Ò tia Maria, ò comadre, valha-me Deus, venha-me abrir a porta, ai aqueles malandros prenderam-ma. - Não posso! A minha está presa também. E lá ia um de nós abrir a porta, sem que ninguém nos visse. Na rua mais abaixo ouvia-se o grito da comadre Aiiiiii -Tinha sido o espantalho que caiu em cima da tia Antónia.

Em cortejo pelas ruas da aldeia e das aldeias próximas, lá ia-mos nós visitando casa a casa onde tudo era permitido: Cantar quadras espirituosas sobre os habitantes dessas aldeias, atormentar as velhas e seduzir as novas!

Viva o António e a MariaPois,
a ninguém fazem mal
A bebedeira é só uma
De Carnaval a Carnaval

Ó Manuel tu és jeitoso
Cortejas uma bota feia
A tua mãe é marreca
O teu pai namora toda a aldeia

A identificação de cada um, era um dos segredos mais bem guardados, e os comentários dos vizinhos provocavam as mais engraçadas gargalhadas, ao nos confundirem uns com os outros. Então, como recompensa pela diversão proporcionada, todos nos ofereciam algum presente, geralmente coisas para comer, ou dinheiro, podiam ser ovos, chouriço, frutas, ou outros. E o desfile findava no largo da aldeia, onde se fazia um lanche geral, com os presentes ganhos, no qual todos ríamos e contávamos vezes sem conta, as peripécias da tarde. No largo era colocado um pau envolvido com muita palha, na ponta tinha um boneco de uma velha. Este era incendiado há meia-noite e fazia-se o enterro da velha. E assim chegava a hora da má-língua, todos tinham a liberdade de dizer o que não diziam ao longo do ano fosse mal do vizinho ou do governo.

Oiça lá minha senhora
Se não anda com homem casado
Porque vai fora d`horas
Para o lado do adro…

E era assim o Entrudo (Carnaval) dos meus tempos de juventude. Hoje é vivido de maneira bem diferente.

Escrito por Eugénia Santa Cruz, do blog Cortecega-Notícias da Minha Terra
 
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5 comentários:

  1. Olá Eugénia!
    Bem,ai as traquinices que fazia no Carnaval.Do bom e do bonito!Pobre das comadres...
    E na foto,ai lá se vai a barriga da grávida ou estará redondinha a senhora de vermelho? lolol...Muito engraçado o seu texto :) :)

    Jocas gordas
    Lena

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  2. Aqui está um Carnaval à moda antiga. Nem melhor nem pior que os outros mas, decerto, mais genuíno. Até nas malandrices...

    Carnaval era simplesmente
    festa de face escondida.
    Aproveitava aquela gente
    para esquecer-se da vida!

    Trabalhavam de manhã,
    depois, comiam tudo
    e a seguir, com afã,
    brincavam ao Entrudo!

    Mascarado ou encarvoado,
    tudo de qualquer maneira,
    ninguém se fazia rogado
    e entrava na brincadeira!

    Não davam muito trabalho.
    Havia noivas e velhinhas,
    lá aparecia um espantalho,
    só não havia princesinhas!

    Brincadeiras de alegria,
    embora por linhas tortas,
    que às velhinhas se fazia
    amarrando-lhes as portas!

    Às velhinhas não se faz
    essa tão grande maldade!
    Mas, acabava tudo em paz
    e era grande a amizade!

    Depois havia o cortejo,
    e quadras espirituosas
    e, por aquilo que vejo,
    nem tudo seriam rosas!

    Porém, a grande virtude
    deste Carnaval animado,
    dos tempos de juventude,
    é não ter sido olvidado!

    Bom Carnaval

    João Celorico

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  3. Olá Eugénia!
    Como sempre mais um lindo texto, descrevendo um carnaval bem genuíno, com as tradições de antigamente, onde todos brincavam e divertiam.
    Usando adereços criados pelos próprios, inventando brincadeiras para que assim se podessem divertir.
    Sempre com o mesmo lema saber brincar, mas não prejudicar o proximo. Era realmente assim o nosso Carnaval com os entrudeiros "assim eram chamados os mascarados".
    Parabéns pelo seu maravilhoso texto
    Um abraço
    Acácio

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  4. Bom dia!
    Ai na minha terra minhota,também pregava muitas partidas assim.Não aquelas em que se atiravam ovos ás moças.Mas dessas de assustar com juízo as comadres.E claro,também me disfarçava quando era garoto e ficava a ouvir lá do monte,gritarem as cusquices da vida alheia.Hoje também me divirto,indo sempre que posso,assistir aos desfiles dos netos!

    Abraço sentido
    José Carlos Barros

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  5. Olá Eugénia!
    O que não me ri com o seu texto.É verdade nao ligo muito ao Carnaval.Mas tenho curiosidade em ver o dos Caretos e pelos vistos,os da sua terra também eram bem animados,mas animados no bom sentido,diversão e convívio ajuizado entre todo o povo.Ai essas comadres o que não deviam passar.Nunca ouvi cantar quadras sobre as cusquises,isso também devia ser engraçado,menos para os envolvidos,claro.

    Óptimo texto!

    Bom fim-de-semana.
    Beijos

    Deolinda Viana

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