terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O CARNAVAL E O SERRAR DA VELHA


Carnaval e Entrudo são palavras com etimologias diferentes mas com significado igual para o período que vai desde o domingo da Septuagésima até à quarta-feira de cinzas.

É com o aparecimento da cultura cristã que o Entrudo nos aparece com celebração ligada ao período de abstinência imposto durante os quarenta dias da Quaresma.

Seja como for o Carnaval ou Entrudo será uma festa cujo significado e vivência estará sempre de acordo com a cultura de cada região. Não deixa também de ser uma festa de liberdade, onde tudo é permitido fazer-se de acordo com as tradições locais. E onde preceitos e bons costumes tendem a ser esquecidos para permanecer durante três dias o quase “vale tudo”. È mesmo um período que goza de muita permissividade e afincada sátira à sociedade em especial aos políticos. O divertimento carnavalesco foi, desde sempre, irreal e utópico mas, do verdadeiro Carnaval já pouco resta. Tem sido substituído por festas imitativas do Carnaval Brasileiro, samba e corpos quase nus.

Na minha aldeia havia a tradição de correr o Entrudo até à aldeia vizinha. Este consistia em levar um boneco feito a preceito com matérias-primas diversas e vestido a rigor com indumentária de cariz carnavalesco. Reunia-se o grupo de guerra sempre bem mascarado, que avançava em direcção à aldeia escolhida para ir deixar o Entrudo, tudo decorria calmamente até conseguir com que o Entrudo (boneco) ficasse dentro da povoação vizinha. Tarefa terminada com sucesso havia que bater em retirada com grande alarido. O que por vezes corria mal dado que havia outro grupo alerta da aldeia oposta esperando os intrusos e entre pedradas e umas pauladas, ganhava quem corria mais rápido. Mas tudo acabava sempre em boa harmonia. Era festa, era Carnaval! Tudo se aceitava. Cumpria-se a tradição.

Outra tradição que nas beiras também fazia parte desta quadra, era o serrar da velha a meio da Quaresma. Era uma tradição exclusivamente feita por solteiros. Todos se apetrechavam, envergando desde os velhos e grandes chocalhos, aos mais inusitados instrumentos arranjados para fazer barulho. O sino da torre da igreja acabava de dar as doze badaladas da meia-noite e eles aí vão. Acompanhados de um cortiço e um pau ou algo que imitasse o barulho de serrar, e entre grande algazarra, chocalhadas e outros instrumentos, paravam à porta da mulher mais idosa da aldeia de preferência que fosse solteirona e entre cantorias indicadas para a ocasião e sempre com alguma malícia vai de serrar no cortiço gritando serrar a velha serrar velha. Claro que muitas vezes terminava com um grande penicada por cima dos intervenientes, já reservada desde umas semanas atrás pois a situação já era prevista e afinal a idade também traz experiência.

Escrito por Acácio Moreira, do blog Carvalhal do Sapo

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3 comentários:

  1. Olá amigo Acácio!
    Concordo consigo.Essa quadra não é o que era.Eu experimentei duas vezes na vila de um familiar o enterro do Entrudo.Iam pessoas da vila e jovens disfarçados com um boneco vestido a preceito e depois de andarmos pelas ruas,tipo funeral/julgamento,era o Enterro com a queima do Entrudo.Foi algo diferente e engraçado de se assistir.
    Gostei de ler sobre o Serrar da Velha,pois como sabe,desconhecia por completo essa tradição.Está muito interessante.

    Jocas gordas
    Lena

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  2. Amigo Acácio
    Trouxe aqui um texto muito interessante! Reproduziu hábitos da sua aldeia muito originais. São práticas portuguesas dum verdadeiro Entrudo! Aquela cena do "Serrar da Velha" é o cúmulo!
    Estávamos num tempo em que se chamavam os nomes às coisas. Não havia os actuais os pruridos civilizacionais. Se fosse hoje, aquela "Velha" chamava a polícia!
    Um abraço

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  3. Ora, amigo Acácio, cá está a minha "carnavalada"!
    Consta que, na minha terra, também há, ou havia, essa tradição de "sarrar a velha" (com a pronúncia lá do sítio). Por vezes as coisas não saíam tão bem e o Carnaval ficava mais "animado". Então, lá vai!

    Carnaval e o Entrudo,
    diferentes etimologias
    mas, em que vale tudo,
    só durante três dias!

    Dum Carnaval, bem gozado,
    e com muita brincadeira,
    ficam, depois de queimado,
    as cinzas da quarta-feira!

    Diz que já pouco resta
    do Carnaval verdadeiro.
    Que, p’ra termos festa,
    só com sabor brasileiro!

    E lá levavam o Entrudo
    até à vizinha povoação,
    de seguida valia tudo,
    só beijinhos é que não!

    Era sempre muito animada,
    toda esta gente em folia,
    chovia pedrada e paulada,
    tudo em perfeita harmonia!

    E era isto o Carnaval!
    Não me digam que não!
    Isto, nada parecia mal
    e cumpriam a tradição!

    Uma tradição, bem animada,
    desta rapaziada solteira
    em que a velha é serrada,
    queira ela ou não queira!

    Se a cantoria, de ocasião,
    da velha não era agradada,
    esta mantinha a tradição.
    Mandava-lhes uma penicada!

    Acontece que tal penicada,
    p’ra gáudio da assistência,
    estava há muito reservada.
    Fruto de muita experiência!

    Abraço,
    João Celorico

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