sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Já fui à Serra...(segunda parte)

Prestes a rebentar de curiosidade e ainda não totalmente refeitos da euforia da nossa proeza, penetrámos numa das cavernas que logo nos aprestamos a explorar minuciosamente, e cada um por sua conta entreteve-se a dar largas à imaginação. Eu, claro, não conseguia deixar de sonhar que por ali escondido, algures, poderia estar um tesouro, ouro, estatuetas, potes, ou mesmo um terrível segredo antigo… Tanta coisa que a minha pródiga e fértil imaginação se encarregava de aventar! E, quando desejamos uma coisa com muita intensidade, ela acontece…


Subitamente um de nós soltou uma exclamação. Um dos rapazes, afoito, havia enfiado uma das mãos num escuro buraco, mas quando a retirou esta empunhava um pequeno objecto. Surpreendidos e expectantes fitámos a palma aberta, na qual jazia uma pequena caixa de plástico, daquelas de ourivesaria, vulgarmente utilizadas na embalagem dos fios de ouro, anéis, etc. Dentro da dita caixa encontrava-se uma mensagem, um rapaz, provavelmente adolescente, rabiscara em trémulas letras o seu amor por uma jovem, de quem anotara ali mesmo, na inesperada missiva, o nome e a respectiva morada, fazendo apelo para quem encontrasse a caixa, que a fizesse chegar às mãos da sua Dulcineia. Enleados e comovidos com tão assolapada paixão, logo ali prometemos, muito convictos, de que haveríamos de dar seguimento à coisa. Depois do nosso achado esmoreceu-nos o entusiasmo pelas explorações, pelo que decidimos iniciar a descida da costa, tarefa que não nos ofereceu dificuldades por aí além, para baixo todos os santos ajudam. Mas antes ainda tivemos de fazer a nossa maldadezinha, é da praxe, já que a nossa aventura carecia de mais emoções, por isso demos em lançar lá do alto uns grandes pedregulhos, que desamparados desembolavam encosta abaixo, e que para nosso grande descontentamento, terminavam abruptamente a desalmada corrida sustidos nos troncos das oliveiras, e foi nesse momento que me ocorreu à ideia, que afinal os antigos não eram assim tão parvos, pois as oliveiras não haviam sido plantadas ali para fornecer azeitona, como já antes havia julgado, mas sim para amparar a queda de pedras e evitar que estas se depositassem no fértil vale.

Escusado será dizer que a missão que nos fora incumbida pelo desconhecido e fervoroso amante teve um desfecho inglório. Embrenhados já noutras brincadeiras bem depressa nos esquecemos da caixinha encantada. Para dizer a verdade, nem sequer sei o fim que levou. Mas não posso deixar de pensar que o destino daqueles dois jovens poderia ter sido diferente, se não tivesse havido o inconveniente da localidade de residência da jovem distar da nossa cerca de 5 km, ou se algum de nós enviasse a mensagem pelo correio… Tão simples quanto isso … Mas nem tudo foi em vão! Esta história de amor permanece viva na minha memória, facto que me faz pensar o quanto os nossos actos podem ter reflexo nas outras pessoas, até mesmo nas desconhecidas!


Escrito por Milu, do blogue Miluzinha
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8 comentários:

  1. Por isso é que gosto do velho ditado: " tu te tornas responsável por aqueles que cativas". O nosso poder de influenciar os outros é muito grande. É preciso estar atento para sempre repassar o bem ...

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  2. Milu
    Quando li que encontraram uma pequena caixa de plástico com uma mensagem lá dentro, pensei logo que tinham detectado uma cache de geocaching.
    Engano meu.
    Afinal, tratava-se mesmo dum bilhete de encantar. É uma linda história numa bonita serra!

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  3. Diz-se que "o mundo pula e avança, nas mãos duma criança" mas, desta vez pulou mas não avançou e lá ficou o"D. Quixote" e mais o seu amor platónico (seria?) tramado por uma mísera distância de 5 quilómetros ou, quem sabe, apenas porque aquelas cabecitas depressa encontraram outros motivos mais de acordo com a aventura. Empurrar alguns pedregulhos era muito mais radical!
    Quanto a mudar o curso da vida de cada um, não só não é fácil como, por vezes, até pode ser prejudicial. Assim, é muito possível que o rapaz tenha mantido aquela chama acesa sem correr o risco de ouvir uma nega da "Dulcineia".
    São estes episódios, simples, que nos marcam e ficam para a vida!

    Quanto às serras de Aire e Candeeiros apenas posso dizer que visitei os Alvados e que num Verão já um bocadito longínquo vi, uma noite em que regressava a Lisboa, os "candeeiros" todos acesos (um incêndio). Era terrível mas, infelizmente, belo.

    Abraço,
    João Celorico

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  4. Anabela
    Fiquei a pensar na sua frase, quando diz que é preciso estar atento para sempre repassarmos o bem... Na verdade essa é uma atitude que procuro ter, mas em relação ao meu filho. Nos últimos tempos, tenho reparado, que os meus actos têm sido bem mais eficazes na educação do meu filho do que as minhas recomendações, é que palavras leva-as o vento... São os actos que mais educam, por isso esforço-me para não dar maus exemplos. Às vezes falho... Mas creio que o balanço é positivo!
    Um beijinho.

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  5. José Pinto

    Olhe que tive de ir pesquisar no google o que é uma cache de geocaching! Confesso que desconhecia este desporto, ou lá o que é isto, mas parece muito engraçado. Mas na verdade o que achamos era mesmo uma assolapada mensagem de amor. Durante os dias que se seguiram à sua descoberta ainda pensámos ir ter com a jovem, mas como, se raramente tínhamos dinheiro? E mesmo que o tivéssemos, se por algum feliz acaso, algumas parcas moedas caíssem nas nossas mãos, iam logo direitinhas para a mercearia mais próxima, na compra de uma mão-cheia de rebuçados de meio-tostão! A ideia de palmilhar os 5 Km não nos agradava grande coisa, pois ainda estava fresca na memória a lembrança da estafa que apanhámos para subir a costa! E o tempo foi passando...
    Um beijinho.

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  6. João Celorico

    Que foi um dia cheio de emoção, lá isso foi! O subir a costa, a descoberta da caixa e a brincadeira dos pedregulhos, esta um tanto perigosa, se por acaso por ali andasse alguém, pois alguns deles ainda rebolaram que se fartaram, outros ficaram a meio caminho, mas outros houve que se partiram em dois. Para mim, que era muito mexida, a largada dos pedregulhos foi a melhor parte.Não é que eu fosse aquilo que vulgarmente se chama uma maria-rapaz, mas era muito vivaça. Acredito que se tivéssemos entregue a mensagem à jovem, esta teria ficado maravilhada, quanto mais não fosse pela originalidade do rapaz!
    Um abraço.

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  7. Lastimei bastante que a mensagem não tivesse chegado às mãos da jovem...
    Vocês não pensaram e mostrá-la aos seus pais, para que eles dessem continuidade ao trabalho ?

    Agora fiquei aqui pensando em tudo que pode/poderia ter acontecido...
    - Será que o rapaz voltou lá ?
    - Se voltou e não encontrou a caixa, o que deve ter pensado ?
    -Teria feito outro bilhete ?
    -Qual seria a reação da moça ao receber o bilhete ?
    -Teria o rapaz decidido ir falar diretamente com a moça ?
    - Etc, etc, etc...

    Se eu fosse você, não sossegaria até saber um pouco mais sobre esse casal !

    Adorei seu texto, Milu !!!

    Beijo

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  8. Flora

    Tudo indica que o autor da mensagem fosse um jovem adolescente. Como sabes, nesta idade são frequentes as paixões assolapadas, mas que, em contrapartida, passam depressa, ainda que possam deixar algumas marcas. Não me recordo de pormenores, por isso não sei se a mensagem teria data, logo se pudemos concluir do tempo em que lá permaneceu escondida.
    Naquele tempo não havia a intimidade que actualmente há dos filhos para com os pais e vice-versa. Falar de sentimentos não era incentivado pelos pais, casos havia em que até se sentia vergonha em revelar sentimentos, era como se fosse um sinal de fraqueza. Os pais raramente beijavam os filhos, sei do que falo, pois isso passava-se com o meu pai, mas não com a minha mãe, que andava sempre atarefada pela casa, sem vagar para os filhos, é certo, mas que sabia ser ternurenta. Se tivéssemos conversado com nossos pais sobre a mensagem, eles não iriam dar qualquer importância, não havia ainda a sensibilidade para aprofundar os meandros que norteiam o sentir das crianças e dos jovens. As crianças eram apenas isso, não tinham voz activa. O mundo era dos adultos.
    Um beijo.

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