Nos outros tempos pintávamos os ovos oportunamente esvaziados pela Beatriz, numa profusão de tintas pastel em pequenos recipientes. A mesa da cozinha, comprida e em madeira tosca, era coberta por um plástico grosso, sentavam-se os irmãos, os primos e os amigos que ao saberem-nos de férias na terra faziam, a partir das oito da manhã uma barulheira com o batente ou brincavam, até acordarmos, com as argolas de prender as montadas levantando-as e deixando-as cair em estrondo na pedra da entrada. Lembro-me da idêntica gritaria com que os acolhíamos numa saudade que a separação, desde o Natal passado, já tinha agudizado.
Os ovos pintados eram depois escondidos a coberto da vegetação, dependurados nas oliveiras, ou quase enterrados no sulco da terra que nesta altura ainda está húmida e cheirosa.
Domingo de Páscoa, após a Missa de Graças, as roupas de festa eram rapidamente despidas e arrumadas e em calça de ganga e alpergata partíamos à “caça ao tesouro” na tentativa de sermos o que mais ovos conseguia trazer, enquanto se ultimavam os preparativos para o almoço que reunia, igualmente toda a família.
A família é mais pequena agora.
Tantos são os que já partiram em viagem sem regresso a não ser o que a nossa lembrança permite, que quando olho para trás vejo muitos lugares à mesa postos... mas vazios.
Já não há oliveiras onde dependurar fios invisíveis com ovos coloridos e ninguém suja as unhas de terra num esconde-esconde propositado. Os ovos de caros que são, não se estragam em pinturas que levavam dias a secar. E as gemas e claras já não servem para os ovos moles ou delicias queimadas com que nos deleitávamos. Muito calórico, dizem.
Mas a família continua a gostar de se reunir a propósito de tudo e acima de tudo a propósito de nada. E é a esse ninho que regresso vezes sem conta, ainda que algumas vezes... em imaginação. Hoje, irmãos, irmãs, cunhados e cunhadas, filhos, sobrinhos, primos... uma outra mesa cheia, talvez não tão cheia é certo, mas sem lugares vazios.
Deixo-vos com as minhas memórias e com os votos de uma Santa Páscoa :)
Escrito por Catarina Price Galvão, do blog (Once)
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Olá Catarina!
ResponderEliminarÉ verdade,uns partem,outros nascem. Mas celebra-se sempre com algumas mudanças e recordando...
Lembro-me de pintar ovos e andar pelo jardim na sua busca e de chocolates também.Hoje,já não fazemos isso.Mas a tradição modificou-se e também é muito boa: missa,almoço em família e passeio. :)
Jocas gordas
Lena
Lindo, muito lindo seu texto, Catarina !
ResponderEliminarNa minha família, moradora de uma grande cidade, não havia a tradição dos ovos pintados. Nem dos ovos de chocolate escondidos no jardim para que as crianças encontrassem.
Essa brincadeira eu fiz para meus filhos, sobrinhos e neto, muitos anos depois.
E eles ficavam absolutamente encantados !
Talvez por ter nascido e vivido em "cidade grande", sempre encantei-me com essas tradições das aldeias, vilas e cidades pequenas.
Parece que existia magia em tudo, em cada cerimônia, em cada ato repetido por gerações e gerações, desde tempos imemoriais.
Esse "voltar ao ninho, ainda que muitas vezes em imaginação", soou-me como uma imagem belamente melancólica, e fiquei lembrando das reuniões familiares, quando os avós não éramos nós, e nossos filhos ainda eram crianças que aguardavam essas datas para brincarem junto com os primos na casa de férias dos meus pais.
Doces lembranças de Páscoa...
Beijo e parabéns pelo seu texto.
Olá Catarina!
ResponderEliminarOs meus tios costumavam dar-nos os ovos para pintar e depois escondiam-nos no jardim ou penduram nas árvores. Era uma ideia gira e colorida. Um bonito texto que nos recorda tempos coloridos :)
Beijos
Liliana Rito
Olá, Catarina!
ResponderEliminarPáscoa é recolhimento, renúncia, reunião das famílias e o renascer da Esperança em dias melhores.
A criançada "vai a todas" e esta festa não é excepção, embora já não adira muito a essa coisa do recolhimento e da renúncia, levada a sério noutros tempos. Acresce que os adultos também não...
Memórias de antigamente
sempre boas de lembrar.
Hoje, tudo é diferente
mas é tão bom recordar!
O ponto alto do momento
já sem ovos para pintar
era ver tudo a contento
em tal reunião familiar
Por último, uma ideia minha!
Ideia brilhante, cá para mim!
Gostava de ter uma galhinha
que pintasse os ovos assim!
Abraço,
João Celorico
Queridos Amigos, Obrigada pelos Vossos comentários :) tinha outro sabor a Páscoa da minha infância, talvez ;))
ResponderEliminarAbraços*
Parabéns Catarina!
ResponderEliminarContinua a defender assim tão bem a "tua" terra, as tuas origens!
Beijinhos,
Manuela