Nos tempos da minha infância, lá pelos longínquos anos 50, as modas e costumes do período quaresmal eram muito diferentes dos dias atuais. Dias de seriedade, tardes melancólicas, normalmente cinzentas, pesadas. Na Sexta-Feira Santa, havia um respeito e uma tristeza no ar, como se o tempo estivesse parado e todo o sofrimento do Senhor esparramado sobre a humanidade silenciosa. No rádio, somente músicas sacras, clássicas e fúnebres. Sim, fúnebres, pois era assim que elas soavam aos ouvidos das crianças. Morávamos no Rio de Janeiro, na época, capital do Brasil, cidade grande, alegre e agitada, mas naqueles tempos idos, havia um grande respeito pelas coisas de Deus, e respeitar a Sexta-Feira Santa era a regra máxima dos Homens. Contava meu pai, que no seu tempo de jovem, já no Brasil ( pois aqui chegou aos 11 anos em 1913, vindo da sua pequenina aldeia portuguêsa, aquele cantinho remoto das montanhas, lá no Enxertado) as coisas eram muito mais sérias. Até o sino que existia no bonde era amarrado, para que não tocasse à tôa, tão grande era o respeito ao dia santificado dos cristãos. Ah, mas existia o Domingo de Páscoa, para quebrar o jejum de alimento e alegria !
As crianças esperavam ansiosamente pelos ovos de chocolate, presente que não podia faltar naquela data festiva.
Seguindo uma tradição, talvez portuguesa, os padrinhos eram os responsáveis por presentear com a guloseima tão esperada.
E quanto mais "rico" fossem os padrinhos, maior seria o ovo recebido ! Ora, na minha família, também seguindo antigas tradições, eu como filha mais velha, tinha como padrinhos meus avós maternos - o ramo da família vindo da região de Aveiro. Meu avô, como ele sempre dizia, não era rico nem pobre e sim, remediado. Assim sendo, meu ovo de Páscoa era pequeno e discreto, também remediado.
Meus 3 irmãos tinham como padrinhos os tios, irmãos do meu pai, mesmo porque minha mãe era filha única. E esses tios eram mais abonados. Portanto, meus irmãos ganhavam ovos bem maiores do que os meus... Como uma criança lida com esses apelos mundanos ? Confesso que não era fácil para mim, mas o carinho e cuidado que eu tinha para com meus avós velhinhos e que me amavam muito, fazia com que eu superasse o "trauma do ovo pequeno", e festejasse a Páscoa com a alegria pura e ingênua de um tempo em que o Ser era mais importante do que o Ter. FOTO: Reunião de domingo na casa dos meus avós, Vovó Olívia, quieta e com ar tristonho; Vovô Adelino, forte e seguro; minha mãe Maria, simpática e risonha; eu, sorrindo feliz; minha irmã Nelia, quietinha e comportada.
Escrito por Flora Maria, do blog Flora da Serra - Raízes da Mantiqueira
Se gostou deste texto, vote nele de 28 a 30 de Abril. Aproveite e comente. Quem sabe, é seleccionado para Melhor Comentário!
Querida colega da "ALDEIADAMINHAVIDA..." Flora Maria.
ResponderEliminarGostei muito do que aprendi com a doçura do seu texto,expressão de um coração sensível às suas raízes e estima pelos valores tradicionais.
Conheço o Rio de Janeiro,Belo Horizonte e outras localidades desse grande País que os Portugueses fizeram, quer em termos geográficos na definição territorial, como na defesa de uma vida saudável e honesta, contra a ladroagem, tendo como líder dessa cultura dos Direitos do Homem, o imortal Padre António Vieira.
Tenho lá familiares que partindo do trabalho honesto se sentaram nas Universidades e, alguns deles, se sentam actualmente em lugares de decisão jurídica e outras.
Os Transmontanos têm a CTMAD,algures na Tijuca, onde se reunem e celebram anualmente a festa da Páscoa; Os Directores são originários do meu concelho e, ao mesmo tempo que defendem a cultura portuguesa, defendem a brasileira, num casamento perfeito.
Parabéns e desejo as maiores felicidades para si, aos seus familiares e todos os luso-descendentes.
Um bom folar, além do tradicional chá ou cafezinho brasileiro, se tiver carne,fica mais apetitoso com um bom vinho português, mesmo que não tenha a classificação de 100 pontos,classificação dada a um com origem em Terras de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Olá, Flora!
ResponderEliminarPois era. Nesses tempos, às 3 horas da tarde, de quinta-feira Santa, todos paravam durante 1 minuto. Na sexta-feira Santa, feriado, grande parte dos homens usava gravata preta, as estações de rádio encerravam e só a Rádio Renascença abria para dar as cerimónias religiosas, dando durante algum tempo música sacra. Nos cinemas, poucos, o único filme era “O Rei dos Reis”. No sábado já começava a haver alguma música no rádio mas, sempre de cariz religioso.
Quanto a presentes, desconheço o que isso seja pois apenas conheci amêndoas e poucas! Sei que na minha terra parecia haver a tradição de os padrinhos oferecerem aos afilhados uma “rosquilha” (pão em forma de argola) que os afilhados enfiavam no braço e, lá iam, encantados da vida. Se os padrinhos não lha davam, era a maior tristeza!
Outros tempos!
Abraço,
João Celorico
Olá Flora!
ResponderEliminarGrande texto cheio de emoções. Aprendi a conhecer momentos de outros tempos,da nossa cultura e de outras.
Óptimo momento de leitura.
Jocas gordas
Lena
Minha querida e nostálgica Flora, os teus textos cantam a beleza do passado e encantam a alma da gente.
ResponderEliminarEu já devia ter-me acostumado com tanta sensibilidade e emoção, mas sentimentos não foram feitos para serem acostumados, senão para serem vivenciados com intensidade.
Cada vez que falas dos nossos tempos idos, parece que escorrem lágrimas do passado, até que um soluço perdido vem despertar-nos para o momento presente.
As tuas narrativas são a expressão da verdade, ainda que revestidas de sonhos e fantasias. Há em cada palavra com que relembra a tua Páscoa um misto de saudade e encantamento. Percebo uma pitada de tristeza, quando comparas aqueles tempos com os de hoje, e não é para menos. Mas, deve-se pagar o preço do progresso econômico, com as nossas míseras recordações de uns tempos menos fartos, é verdade, porém transbordantes de razão e sensibilidade.
Eu torço para que, desta vez, possas vencer, ainda que só me seja dado o direito da esperança, por ser o meu voto tão unitário, quanto a preferência que se possa ter por este ou por aquele texto.
Beijos.
Gilberto.
Apesar da tendência natural que tenho de gostar de coisas antigas, tenho aprendido a riqueza e a sabedoria (que poucos possuem!)de misturar harmoniosamente as antigas tradições e as novas idéias, nos novos tempos. Viver o momento presente, agradecendo sempre tudo que nos foi transmitido pelos que vieram antes de nós - pais, avós, bisavós... Assim, lendo o seu relato da Páscoa da sua infância, me emociono, lembrando também da Páscoa da minha infância, e sorrio para a eterna Páscoa, o renascimento diário, que nos faz viver um dia de cada vez, agradecendo, agradecendo...:-)
ResponderEliminarbeijo, mãe
Cláudia
Belíssimo texto e uma deliciosa viagem ao passado.
ResponderEliminarVoto para a Flora! :))
Meu caro Artur:
ResponderEliminarMeus pais moraram na Tijuca e conheço a Casa de Trás os Montes.
Aliás, a Tijuca é o bairro que possui expressivo número de Casas Portuguêsas como, a Casa dos Poveiros, da Vila da Feira e Terras de Santa Maria, a Casa das Beiras, e outras.
Essas Casas costuma ter seus grupos folclóricos e ver as danças regionais é um espetáculo muito bonito.
Desde 1991 que eu não moro mais no Estado do Rio De Janeiro, residindo agora no Estado de Minas Gerais, cuja capital - Belo Horizonte - você conheceu.
Obrigada pelo comentário carinhoso.
Oi, João:
ResponderEliminarAs diferenças de tradições são marcantes, sejam de um país para outro, sejam de famílias e classes sociais diferentes.
Na mesma cidade vivemos de formas diversas, e na mesma família uns ganham ovos maiores e outros menores, não é mesmo ?
O importante é o sentimento terno que conservamos e vivenciamos ao relembrar os momentos passados, por mais difíceis e doloridos que tenham sido.
Obrigada pelo seu comentário.
Obrigada, Helena, pelo seu gentil e incentivador comentário !
ResponderEliminarE viva a Aldeia da Minha Vida !
Beijos
Meu querido e incentivador-mór Gilberto:
ResponderEliminarÉ com muita alegria que recebo seu comentário, se bem que veja nele um tanto de exagero apaixonado !
Gosto sim, de relembrar nossos tempos passados, e dessa forma preservar nossa história.
Podemos assim, passar para as novas gerações um pouco da vida do século passado.
Beijo
Sábias palavras, querida Cláudia !
ResponderEliminarO ideal é viver o melhor dos dois mundos: passado e presente, preparando assim o futuro ideal.
Esse gosto pelo antigo, pelas histórias e tradições está muito arraigado na nossa família e veio lá de trás, viajando nos navios que trouxeram para o Brasil os nossos antepassados portuguêses aventureiros e esperançosos.
Obrigada pelo comentário.
Beijo
Querida amiga Hazel:
ResponderEliminarObrigada pelo comentário e pelo voto declarado !
É muito bom poder relembrar as histórias familiares, trazendo à tona as sensações e emoções vividas nos tempos idos.
Beijo