segunda-feira, 22 de março de 2010

A TERRA ONDE O MEU PAI CRESCEU

(Foto de Bruno Carreiro, retirada do Facebook. Uma rua de Salvaterra do Extremo, da rua da Corredoura à Praça. À esquerda pode ver-se, na parede, entre portas, o Poço da Rua, de Cima, a que chamam o Poço em meia-lua)

A terra onde o meu pai cresceu, mas não muito, pois a sua estatura, exterior, era pequena, era uma terra sem electricidade, tinha candeias e candeeiros, sem água ao domicílio, tinha cântaros e bilhas para a irem buscar às fontes, da Ribeira, das Fontaínhas, aos chafarizes, poucos, e aos poços, de Santo António, de São João, da Rua de cima e da Rua de baixo e ao poço Novo, todos parcos de água e nos quais, no Verão, ainda noite, as mulheres atiravam o caldeiro lá para dentro, passavam umas boas horas até encher a cântara, e punham as conversas em dia. Era uma terra de muito trabalho, quando o havia, e de pouco proveito. Onde se passava o dia, e até a noite, por lá, apascentando rebanhos e sofrendo com cada um dos animais, dormindo mal, por aqui e por ali, mal vestidos, em leito de palha, numa qualquer toca ou palheiro mas, só depois do rebanho estar recolhido. E, havia chuva! E, havia frio! E no Verão, que parecia melhor, lá vinham as "malditas" ceifas na sua dureza e com elas as sezões (ou, maleitas) e outros padecimentos. Padecimentos que se tornavam maiores quando atingiam a cachopada. Maus para elas próprias, e aos quais muitas não resistiam (não chegando ao fim do Verão), e para os próprios pais. Mas era uma terra que vivia as suas festas, com grande devoção. Onde se vivia de portas abertas (não havia alarmes, nem empresas de segurança). Normalmente estavam na cravelha mas, quando estas estavam fechadas, era fácil abri-las pois que a chave, deixada num prego por dentro da porta, devido a um orifício suficientemente largo, na parte inferior da porta e que só era tapado com uma pedra para não permitir a entrada de gatos (podiam ir aos chouricitos, claro!), estava acessível a um qualquer.

Era uma terra onde não havia jornais, nem rádio, nem televisão, as notícias corriam de boca em boca e havia pregoeiros. À noite, ao serão, aproveitando a luz bruxuleante duma vela ou até do luar, os pais ainda arranjavam tempo para ensinar, aos filhos, estórias que já os seus pais lhes tinham contado e que são, hoje, grande parte do que deles resta nas nossas memórias.

Escrito por João Celorico, do blog Salvaterra e Eu
A versão completa do texto encontra-se no respectivo blog.

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10 comentários:

  1. João
    O seu texto retrata a realidade da vida dura de muitas das nossas aldeias num passado, não muito distante. Gostei muito da sua descrição, pois fê-lo duma forma que me transportou à aldeia do seu pai, tão idêntica à do meu. As cenas pitorescas que descreveu são-me familiares e , enquanto lia um parágrafo, quase conseguia adivinhar o que ia ler no parágrafo seguinte.
    Quase consigo adivinhar que essa aldeia perdeu muito do seu ambiente bucólico e hoje possui as infraestruturas básicas para se viver com comodidade mas, contrariamente ao que seria de esperar, cada vez tem menos pessoas a habitá-la.
    Beijinhos
    Lourdes

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  2. Olá amigo João.
    O seu texto retrata bem a realidade da vida árdua que se vivia nas nossas aldeias em especial no centro e norte do país.sem um mínimo de condições.
    Onde tudo faltava, onde não se vivia, sobrevivia-se.Felizmente as coisas foram melhorando,tal como a nossa vida em relação à dos nossos pais, mesmo que para isso tivéssemos de migrar, procurando em outras terras uma maneira de ganhar a vida, uma vida sem tantos sofrimentos e melhores condições. Conseguindo assim por consequência melhorar também vida a dos nossos filhos.
    Hoje as condições de vida das aldeias melhorou muito e já se vive com muita dignidade. De lamentar é a situação de desertificação esquecimento e o abandono para que a maioria das aldeias foram atiradas pelo poder central.
    Amigo quero por isso felicita-lo pela grandeza e sinceridade do conteúdo do seu texto, gostei imenso. Parabéns
    Um abraço
    Acácio

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  3. Olá amigo João!
    Já sabe que aprecio muito tudo o que escreve.Fez bem em participar e partilhar connosco e com os outros amigos bloguistas,todos esses sentimentos por essa belissima terra.A sua escrita enaltece-a e é um orgulho para Salvaterra. :)

    Jocas gordas
    Lena

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  4. Olá, João :)*

    Uma terra igualzinha à minha! Falas sempre dela com tanta emoção, que cada vez mais sinto curiosidade em conhecê-la.

    Actualmente já não corre água nas ribeiras, já não se vêem moças em grupo junto às bicas públicas, a encher as bilhas, até porque a maioria dos chafarizes secaram, as festas vão sendo cada vez menos alegres, mas as crianças continuam a nascer, a crescer e a tornarem-se PAIS. Um beijo da Mizé Pascoalita

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  5. Belo comentário.


    Eu conheci o blog através do blog do Carlos. solmarlua.blogs.sapo.pt.

    Beijos do Brasil.

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  6. Vivências que dou muito valor, mesmo que eu n tenha vivido desta maneira. Gostei, bem descrito e muito ternurento.
    jitos

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  7. Olá!
    Cá estou a tentar responder e agradecer os vossos sempre amáveis comentários. É bom ter amigos assim para nos encher o "ego". Só temos que não o deixar encher muito!!!

    Amiga Lourdes,
    apesar de gostar da descrição, vejo que já a não consigo surprender muito com o decorrer da mesma. Já sou muito previsível, dada a semelhança de vivências.


    Amigo Acácio,
    à semelhança do que digo acima, basta descrever a realidade duma terra, pois que as outras não variavam muito. Sempre foi na dificuldade que se foi temperando a vida de cada um e hoje a vida dos seus filhos tem um bocadinho de mais sabor. Pena que alguns o não saibam saborear pois não sabem quanto custou chegar onde estão!


    Amiga Lena,
    ainda bem que gosta do que escrevo. Só por isso já valeria a pena. Mas, como eu também gosto, já somos dois...


    Amiga Pascoalita,
    pois é, é uma terra igualzinha a todas as outras, só que esta é a minha!
    Saí de lá com pouco mais de 3 anos, poucas vezes lá fui mas, o "bichinho" está cá dentro.
    Pena que, lá, as crianças já não continuam a nascer e é a juventude dos anos 20 que continua a desaparecer...


    Amiga Ana Paula,
    apesar de tudo, também me integro sempre no meio onde vivo. Já vivi no Algueirão, é a minha 2ª terra, em Lisboa não consigo ser lisboeta, mas sou bairrista, já fui de Santa Catarina, da Madragoa e agora sou da Ajuda, além de que também defendo as "cores" de Colares. No entanto não esqueço a minha terra porque além do mais, através dela, os meus pais vivem sempre comigo! Por isso, a ternura que lhe dedico!

    A todos o meu bem hajam,

    João Celorico

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  8. Olá amigo João!
    Então agora é da Ajuda!Foi o meu bairro durante 3 anos.1º Alcântara perto do jardim de Sto.Amaro e depois mudei para a Ajuda,para a Travessa das Florindas,mesmo ao lado da fábrica de pão: Panibel.Era cá um cheirinho.O vizinho do r/c do prédio ao lado tinha um galo, que coitado (do galo) andava baralhado e cantava a meio da tarde.E tinha nespereiras,ui ui quem me dera do 4º andar,pescar aquelas frutas tão bonitas :p De volta à terra de Viriato,posso dizer que nunca me senti Lisboeta,mas gosto muito da capital.Madragoa é um dos bairros reis das marchas de Sto. António.Este ano,lá estarei :)

    Jocas gordas
    Lena

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  9. Olá, Lena!
    O mundo é pequeno. Eu vivo na Ajuda há mais de 30 anos!
    Perto do Jardim do Alto de Sto. Amaro mas pertencendo à freguesia da Ajuda. Na trav. das Florindas há o Centro de Saúde. Quanto à Panibel, "cabou", e o galo também, pois como tinha uma diferença de fuso horário, já não deve ter chegado ao Natal!
    Gosto do bairro, não tem arranha-céus e é ao pé do Palácio e do sr. Presidente. Logo um pouco abaixo, a Praça do Império com todo aquele enquadramento, Jerónimos, Torre de Belém e o rio, é muito bonito!
    Quanto à cidade, no geral, só ao fim de semana que é quando se anda mais à vontade.

    Jocas e Páscoa Feliz

    João Celorico

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  10. Essa vida tão dura certamente enrijeceu o Homem do campo, dando-lhe uma vontade de ferro e um corpo forte para o trabalho.
    Ouvi histórias semelhantes, contadas por meus pais e meus avós.
    Serão, hoje, os Homens mais felizes com a vida mansa das cidades ?
    Pode ser que sim, mas certamente não terão tantas histórias para contar...

    Abraço

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