(o meu pai, minha mãe, irmã, avó materna e eu)
Para ser exacta, não lembro se o meu pai nasceu em casa, num quarto onde pais e filhos eram brindados por uma aurora com cânticos e baladas do mar, se nalgum outro local com assistência de parteira ou outro ajudante com curso superior. Estou mais inclinada para o primeiro pensamento: naquele tempo (02/12/1929) os dias eram, forçosamente, muito diferentes do que se apresentam na actualidade regional e nestes pedaços de terra rodeada de águas que bailam com a tonalidade reflectida de tons variáveis consoante há negrume, cinzentos ou claridade azulada de frescura.
Os ilhéus e ilhoas sempre nasceram em berços de harmonia com a natureza e com o mar numa balada de afecto pela vinda de mais um ser para frutificar descendência suficiente para continuar o seu "eu" fortemente enraizado por costumes e tradições, diferentes consoante o local de nascimento e/ou o valor que se dá às coisas com um toque de crença em algo superior a nós. Na mitologia romana, Neptuno é o deus do mar e, na freguesia de Santo Amaro, esse deus é a brisa que domina a potência gigantesca de aromas inconfundíveis. Santo Amaro é o padroeiro que apazigua alguma revolta espumante em dias de tempestade.
O meu pai cresceu à beira-mar, na freguesia marítima, de homens do mar, de construtores de barcos e lanchas, do estaleiro onde saíram tábuas talhadas com amor e suor marinheiro. Saudade é a palavra-chave que se mantém de geração em geração junto de lembranças e histórias passadas de boca em boca para que os mais novos não esqueçam o valor dos antepassados.
Lembro que meu pai contava que, às vezes, dava mergulhos profundos no mar que, constantemente ouvia, no seu canto pautado de vida, e que aguentava algum tempo nas suas profundezas, ora por prazer ora por necessidade, e que as pessoas interrogavam-se, entre si, se algo lhe havia sucedido para não voltar à superfície... e, passado um bocado, lá vinha ele fora de água, feliz pelo feito quase impossível de imitar, sobretudo para quem não domina esse grande charco de água temperada do sal que abriga os peixes, algas, moluscos, crustáceos, corais e o fascínio do abismo de uma beleza natural extraordinária. É assim o paraíso marítimo onde alguns tem a sorte de nascer e outros têm o azar de naufragar. O seu fim não foi no mar mas, acredito, que a sua alma o canta para sempre. (Aos nove anos do seu último adeus)
Escrito por Rosa Silva, do blog “Azoriana”
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Olá Rosa!
ResponderEliminarComo sabe o seu texto emocionou-me. Apesar de uma vida dura,o seu pai teve sorte em nascer ao pé do mar e ter o oceano como amigo na vida e na morte.
Jocas gordas
Lena
Bem, é a primeira vez que venho aqui. Gostei do seu cantinho. Eu adoro fotos e histórias antigas.
ResponderEliminarFOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... deseja uma boa semana para você.
Saudações Florestais !
Em http://www.silnunesprof.blogspot.com
Bom dia,Azoriana!
ResponderEliminarEstas férias de Verão talvez vá até aos Açores. Já fui a Madeira.Agora faltam-me os Açores.Estou ansiosa.Belo texto!
Beijos
Liliana Rito
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarOlá, Rosa!
ResponderEliminarÉ minha impressão que os “continentais” sofrem mais com a insularidade que os próprios insulares. Estes no seu pequeno ponto do Mundo têm a imensidão do mar, que os embala, e o céu como tecto protector e isso lhes dará uma sensação de serem únicos e abençoados pelo Criador.
Abraço,
João Celorico