sábado, 16 de janeiro de 2010

BOLO-REI E JANEIRAS




Nascida e criada em Lisboa e filha de pasteleiro, esta é uma época que me traz muitas recordações, pois na pastelaria do meu pai, nesta quadra, fazia-se muito bolo-rei.

Lembro-me de, passar serões a embrulhar brindes, que eram pequenos objectos metálicos que se enrolavam em pedacinhos de papel vegetal, para mais tarde serem colocados juntamente com a fava, na massa do bolo. Quando se partia o bolo-rei, as crianças tentavam espreitar todas as fatias, para ver se descobriam onde se encontrava o brinde. Já a fava ninguém a queria, pois aquele a quem ela saísse, teria que pagar o bolo-rei seguinte.

Muitas vezes, enquanto fazíamos este trabalho, os meus pais contavam-me os seus costumes de infância, durante esta época, onde nem sequer sonhavam com a existência deste bolo. Contavam eles que, era costume juntarem-se as crianças e percorrerem a aldeia, pedindo as Janeiras. Por vezes, juntavam-se jovens, alguns com a sua concertina, e lá iam de porta em porta, tocando e cantando alegremente.
Nessa altura, na povoação a vida era dura e de alguma pobreza. No entanto, os agricultores mais abastados, tinham nas suas terras algumas árvores de fruto e uma simples peça de fruta era muito bem recebida por qualquer jovem ou criança. Assim, eram as castanhas, nozes, laranjas, e às vezes um pão de trigo que faziam a alegria da miudagem. Tudo o que fosse diferente, do que se consumia no dia a dia, era sempre muito apreciado e dava-se muito mais valor às mais pequeninas coisas.
No final, dividiam-se os produtos recebidos pelos elementos do grupo, que os ingeriam como se de uma iguaria se tratasse.

E eu, que sempre fui muito interessada pelas vivências da aldeia natal dos meus pais, deliciava-me com os conhecimentos que eles me transmitiam e, quando dávamos conta já os brindes estavam embrulhados.

Estas são duas tradições que fazem parte do meu imaginário, ambas já extintas, o que me dá pena. Os brindes no bolo-rei foram proibidos e, na aldeia dos meus pais já não se pedem as Janeiras, pois a população está envelhecida.

Escrito por Lourdes Martinho, do blog O Açor

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12 comentários:

  1. Adorei sua história do Bolo-Rei, Lourdes !
    É tão triste saber que essas deliciosas tradições estão se perdendo...
    Resta a lembrança dos que as vivenciaram.

    Feliz Ano Novo !

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  2. Olá Lurdes.
    Devo confessar que quando pela primeira vez tive acesso a este seu cantinho "O Açor" senti que estaria em casa: Primeiro a serra do açor, segundo na mesma freguesia de que sou natural há uma aldeia que se denomina de Açor, o que me leva a crer estarmos a falar da mesma região da terra natal dos seus progenitores . depois tendo em conta a descrição que faz aqui das Janeiras na sua aldeia em nada altera as tradições que se viviam na minha aldeia Carvalhal do sapo,a humildade , a pobreza que se vivia, receber um simples pedaço de pão de trigo ou uma qualquer peça de fruta para uma criança que pouco ou nada tinha, isso já era dia de festa.
    gostei imenso do seu texto, contado com uma maneira tão natural como realista que me fez lembrar os meus tempos de meninice. Tempos esses de que falo muitas vezes com os meus filhos. Eles próprios já ironizam, quando eu começo por lhes dizer sabes se tu tivesses nascido, onde eu nasci!... Pai já sabemos! comiamos e não reclamavamos, mas tens de te mentalizar os tempos mudaram.
    Bem verdade e ainda bem que mudaram para melhor.
    Vamos mantendo as tradições das nossas terras ainda que seja apenas em papel, o que já é um sinal de estarem vivas nas nossas memórias.
    Um abraço
    Acácio

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  3. Também eu sou de uma família de pão e bolos, portanto é-me familar a azáfama das festas natalícias e pascoais... da espera até à última da hora pelo meu pai que chegava cansado, mas sempre bem disposto pois tinha a família reunida à mesa... Que saudades!

    Os tempos são outros! Hoje compro o bolo-rei, sei que não vou encontrar o brinde nem a fava e que há pessoas que nunca mais os meus olhos voltarão a ver, mas que as consigo ver de olhos fechados...

    Gostei muito do texto.

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  4. Flora Maria
    É realmente uma pena que se percam algumas das nossas tradições e não me refiro só aos brindes do bolo-rei. Chego mesmo à conclusão que os nossos antepassados viveram a sua vida em grande perigo. Não havia fartura e o pouco que se tinha, muito de fabrico caseiro, hoje é considerado um risco para a saúde.
    Foram uns valentes os nossos pais que conseguiram resistir a tantos perigos. O meu tem 82 anos e, graças a Deus, ainda é vivo, tem boa saúde e nunca ficou com nenhum brinde nem fava atravessados na garganta.
    Mas, "as leis são para se cumprirem"- dizem os que mandam.
    Por nós, vamos recordando e vamos contando.
    Beijinhos
    Lourdes

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  5. Acácio
    É natural que as nossas tradições sejam semelhantes. Afinal somo quase vizinhos. A "minha aldeia", Sobral Magro, fica no extremo do concelho de Arganil, bem próxima do Piódão.Também passei por algumas dificuldades e os meus filhos têm reacções idênticas aos seus, quando lhes falo do passado.
    Ainda bem para eles, que a vida se modificou e, espero que o momentos difíceis não voltem. Eu, gosto de recordar algumas das tradições pois, a maior parte delas, dizem respeito ao que de melhor tinha a vida nesses difíceis tempos.
    Portanto, vamos lá recordando...
    Beijinhos

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  6. CarpeDiem
    Que bom encontrar aqui alguém com vivências idênticas às minhas.
    Também eu, sinto uma certa nostalgia, mas que fazer? Vamos vivendo e lembrando as nossas recordações.
    A vida é assim...
    Beijinhos

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  7. Ora aí está uma tradição que foi recentemente abolida e de que tenho saudades ...

    O cortar das fatias na esperança de encontrar o brinde, a marotice daqueles que comiam a fava só para não ter de pagar o próximo bolo-rei eheheh

    Era muito divertido e o Bolo Rei sem fava e sem brinde não é a mesma coisa.

    Gostei do texto

    jinhos

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  8. Pascoalita
    Nunca me perdi por uma fatia de bolo-rei, mas as peripécias que eu fazia para encontrar o brinde...
    Abria túneis tentando disfarçá-los mas era sempre apanhada e, a maior parte das vezes não encontrava brinde.
    Coisas de criança, porque eu até sabia que os brindes não valiam nada.
    Bjos

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  9. Hum...Não sou fã de bolo-rei.Mas bolo rainha humm miam miam..combina com tudo: queijo,manteiga :) O escangalhado nunca provei,acho eu. No entanto,é verdade que tinha muita graça achar o brinde e rirmos a conta da fava. Em França,existe a Galette des Rois e ainda põem lá um brinde de porcelana.As crianças adoram e até fazem colecção :)
    Eu ainda tenho muitos bonequinhos à conta disso :)
    Jocas gordas
    Lena

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  10. Morei muito próximo da "Bijou" mas não era frequentador. Talvez o meu irmão que andava no Instituto Comercial, à noite, e me parece aproveitava, ele e muitos, para fazer aí umas sessões de "marranço"!

    Ainda aqui cheguei, agora
    e já me mandaram entrar.
    Mas, não hei-de ir embora
    sem minha Joaneira deixar!

    Tradição, é difícil manter,
    quando vivemos na cidade.
    Também difícil é esquecer
    e é essa a grande verdade!

    Contar costumes da infância
    mais não faz do que encolher
    aquela tão longa distância
    do sítio que os viu nascer!

    E, é tão simples, afinal!
    E, é essa mesmo a razão!
    Lembrar-se a terra natal
    é recordar-se a tradição!

    João Celorico

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  11. João
    Foram muitos os alunos do Instituto Comercial que passaram na Bijou, grande parte do dia a "marrar" na Bijou. De certeza que me cruzei com o seu irmão várias vezes. Morei muito tempo na Bica, na Rua do Almada, bem pertinho da pastelaria. Ali passava muito do meu tempo livre, onde todos éramos uma família.
    Gosto particularmente dos comentários que faz, pois admiro quem tão facilmente sabe rimar.
    Beijinhos
    Beijinhos

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  12. Amiga Helena
    Nunca provei o bolo-rei escangalhado nem a galette des rois, mas na Bijou faz-se ,nesta época, um bolo que tem muita saída. É um bolo redondo, com uma massa semelhante ao bolo inglês, que é rodeado de papel recortado na parte superior, dando a ideia de coroa. Actualmente chamam-lhe casssata,mas eu penso que deve ter um outro nome mais relacionado com a época.Ainda vou investigar.
    Beijinhos muito gordos, após uma época de exageros...

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