sábado, 19 de junho de 2010

Nasci numa casinha simples...

(Imagem de "Micha Pawlitzki")

Nasci numa casinha simples junto ao rio, ladeada de moinhos de águas, campos de cultivo e de pasto e de um pinhal impenetrável.
A minha casa era a última da aldeia. Só por lá passava quem realmente lá queria ir, ou então alguns pescadores aventurosos (que muitas das vezes tinham de fugir do nosso cão, rafeiro, que não lhes dava tréguas) de barbos que abundavam, naquela época, no rio Vizela.

Cresci à solta, completamente livre, desfrutando de uma paisagem deslumbrante de tão brutal que era!
Aprendi a nadar naquele rio de águas ricas e transparentes. Meti os meus pés nus na lama dos campos de milho, desviando a abundante água que chegava, revigorante e fresa, por carreiros de terra que tinham de ser desviados para seguir um novo rumo de pés de milho. Apanhei girinos com colants transparentes da minha mãe, amarrados a um galho robusto de uma qualquer árvore, improvisando, assim, uma cana de pesca. Meti o meu dedo mindinho em ninhos de andorinhas procurando sentir o seu conforto e calor. Descasquei ouriços com botas enlameadas para saborear a doçura de uma castanha acabada de cair do castanheiro. Comi figos deitada debaixo duma velha e faustosa figueira. Apanhei flores amarelas do campo para me enfeitar de colares que rapidamente perdiam a sua vivacidade.

As minhas idas e vinda para a escola faziam-se a pé, sozinha até à casa da minha amiga que morava a cerca de um quilómetro da minha casa, e acompanhada durante mais uns dois quilómetros. Era uma alegria, irmos para a escola de mochila às costas, em plena liberdade. Toda a gente nos conhecia. E, nunca ninguém nos ameaçou ou nos tentou fazer algum mal.

Pelo caminho víamos muita pobreza. Na nossa sala de aulas tínhamos meninos(as) que viviam com muita dificuldade. Tínhamos consciência disso. Mas a escola, já naquela altura era para todos, ninguém ficava impedido de a frequentar. E todos tinham o mesmo tratamento por parte da professora. Todos tivemos castigos e elogios. Estávamos ali para aprender e para cumprir regras.

Assim era a minha aldeia, nos anos 70!

Agora, quando lá volto, só me apetece fugir!
O rio, onde tanto me diverti, é azul, amarelo, vermelho… os peixes desapareceram… as crianças a salpicar na água abalaram…
Os campos de cultivos estão abandonados… o pasto também já não interessa pois também já não existem os animais…
As pessoas estão todas em suas casas ou nos cafés, pois estão desempregadas a receber o subsídio de desempregados….
Os mais novos vão à escola com desdém e muitos deles optaram pelo caminho das drogas…
As fábricas estão abandonadas, com os vidros partidos e as ervas a invadirem muros e calçadas…
Assim tem sido o nosso ‘desenvolvimento’!?

Escrito por CarpedieMaria

6 comentários:

  1. Adorei o seu cantinho. Vou seguir com imenso gosto.

    Tenha um feliz e sereno fim-de-semana

    "A felicidade não está em viver, mas em saber viver. Não vive mais o que mais vive, mas o que melhor vive, porque a vida não mede o tempo, mas o emprego que dela fazemos." (Autor desconhecido)

    bjs do tamanho do infinito
    Maria

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  2. Olá!
    É verdade Carpediemaria,poucos são os sítios da nossa infância que permanecem intactos e belos. Lembrei-me de 1 aldeia de Mortágua cuja fábrica de loiça está a cair aos bocados...:(

    Maria, seja sempre bem-vinda :)

    Jocas gordas
    Lena

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  3. Olá!
    Vou tentar amenizar essa sensação que nos ataca a todos e a cada um. Numa época em que tudo o se produz se diz ser "de excelência"...

    Numa simples casinha nasceu
    junto ao rio de calmas águas
    onde o Mundo era todo seu
    e não lhe sentia as mágoas.

    Em liberdade cresceu.
    Foi bom, com certeza,
    cresceu, e aprendeu,
    a viver a Natureza!

    São outros tempos, agora,
    bem piores, direi eu,
    o coração, esse chora,
    sente bem o que perdeu!

    Mas não há que desanimar!
    Vamos viver este momento,
    pois está mesmo a chegar,
    o grande “desenvolvimento"...

    Abraço,
    João Celorico

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  4. Eu estava tão enlevada lendo seu lindo texto, vivendo aqueles momentos alegres, vendo todo o esplendor da sua aldeia feliz...

    Então, a tristeza se abateu sobre minha alma ao ler o que restou desse recanto paradisíaco da sua infância.
    E o pior, é que isso está acontecendo em todo o planeta !
    O chamado "progresso" está destruindo a Natureza e as Tradições.
    Por que, em tempos antigos, as pessoas viviam bem com pouco dinheiro e hoje, quando o mundo "evoluiu", está mais difícil viver ?

    Mas, como diz o nosso amigo João, não podemos desanimar, e devemos crer que Dias Melhores Virão.

    Parabéns pelo lindo texto !
    Beijo

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  5. Olá, Carpediemaria!
    Excelente texto com um conteúdo maravilhoso que fez recuar no tempo e levar à minha aldeia dos anos 50/60, com uma vantagem para o actual, o rio continua com com águas cristalinas e sem qualquer tipo de poluição.
    Parabéns, um texto lindíssimo que adorei ler.
    Abraço
    Acácio Moreira

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  6. Eu sabia, que apesar da maioria de vocês ainda viver em harmonia com a natureza, me iriam compreender!
    Obrigada, a todos:)

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